domingo, 3 de dezembro de 2023

Maceió: Moradores isolados após afundamento de minas pedem justiça

                                               foto:reprodução

Maceió – “Ainda há moradores aqui!”. A frase escrita numa placa de metal na entrada do Flexal, uma comunidade localizada no bairro Bebedouro, em Maceió, reflete o drama dos moradores que permanecem residindo numa região em que todo o entorno está inabitado.

São cerca de 3 mil pessoas que vivem ilhadas socioeconomicamente nas comunidades Flexal de Baixo e Flexal de Cima desde 2019, quando a Braskem iniciou os acordos para compra de mais de 550 imóveis e realocação de mais de 50 mil moradores das regiões afetadas.

Ao todo, cinco bairros de Maceió foram desocupados à força devido ao afundamento do solo causado pela mineração de sal-gema pela petroquímica Braskem, que atuava em 35 minas subterrâneas, localizadas abaixo dos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol.

Quem ficou morando na região, nas margens da área aceita oficialmente como afetada pelo perigo de afundamento do solo, vive um drama agravado neste momento, quando há risco iminente do colapso de uma das minas em uma enorme cratera e a capital alagoana está em situação de emergência.

Hoje, no entorno dos Flexais, ficam regiões que em muito se parecem com “bairros fantasmas”, pois toda a população do entorno foi realocada. Mesmo assim, boa parte dos moradores permanece lá, isolados socialmente.

Maurício Sarmento, é servidor público e morador da rua Faustino Silveira, conhecida como “Flexal de Cima”, há 45 anos e se vê prejudicado pelo ilhamento socioeconômico, além de forçado a se retirar da sua casa por questões de segurança, considerando o risco iminente de colapso da mina 18.

Desde a última quinta-feira (30/12), quando a Defesa Civil municipal emitiu o alerta máximo para o risco de colapso da mina que está na região do antigo campo do CSA, no Mutange, o órgão tem recomendado que as famílias se abriguem em escolas municipais por precaução.

“Tô saindo de forma voluntária, porque para a gente não foi oferecido nada. A gente vem lutando para que a Braskem possa indenizar as pessoas de forma justa e que a prefeitura, juntamente com a Braskem, realoque essas pessoas. É o que a gente vem pedindo há anos e sequer foi respeitado isso”, relata o representante comunitário, Maurício Sarmento.

O morador também informou que ao longo dos anos foram enviados ao poder público, Justiça e Braskem diversos requerimentos para que houvesse a realocação da população e indenização de forma justa, mas houve resposta satisfatória. “As respostas que nós víamos pela imprensa era que aqui não tinha nada [de risco] e agora tá aí, pedindo para a gente sair por prevenção”, reclama ele.

Além da vida social, outro aspecto que foi prejudicado com a exploração de sal-gema pela Braskem foi a vida econômica. Muitos moradores que habitam na região dos Flexais têm a pesca na lagoa Mundaú, que margeia as bordas da comunidade, como principal atividade de sustento. Esse é o caso do pescador Leandro Alves, que reside na localidade há 41 anos.

Segundo ele, a atividade pesqueira tem ficado mais difícil de uns quatro anos para cá, em que ele não consegue lucrar com a venda de peixes como antes.

“Os peixes que tinham antigamente, hoje não tem mais, não. Mudou muito. (…) Acho que tem alguma coisa na água que o peixe vem e volta, ele não tá mais ficando como antigamente, que ele vinha e desovava, fazia a morada dele. Hoje não, ele [o peixe] vem, sente que a água tá diferente e volta para o mar”, explica o pescador.

Mesmo com todas as dificuldades impostas pela situação de isolamento, Leandro revela que seu desejo mais profundo era poder permanecer na região que mora desde criança.

“Eu não queria sair daqui, não. Eu nasci e me criei aqui, minha infância foi toda aqui. Em outros lugares tem violência, aqui não tem, não. Do jeito que as coisas estão, tá ruim, mas, se fosse da minha escolha, eu não saía”, expõe o pescador.

Projeto Flexais

Um projeto de Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais foi firmado em outubro de 2022, entre o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), Ministério Público Federal (MPF) Defensoria Pública da União (DPU), a Braskem e a Prefeitura de Maceió, com o objetivo de implementar medidas que revertam o ilhamento socioeconômico, por meio de iniciativas que contem com o engajamento da própria comunidade.

O Termo de Acordo para Implementação de Medidas Socioeconômicas Destinadas à Requalificação da Área do Flexal possui como pilares: a implementação de 23 Medidas Socioeconômicas; a execução de um programa de indenização por ilhamento para as famílias; e o pagamento de R$ 64 milhões ao Município de Maceió para realização de medidas adicionais na região dos Flexais pelo Município.

A indenização proposta pela Braskem é de R$ 25 mil para os proprietários de imóveis ou comerciantes e empresários. Para o morador Maurício Sarmento, o pagamento é uma forma de “calar a população”.

“Para receber esses R$ 25 mil eu teria que dar a quitação à eles por todos os crimes que a Braskem cometeu. É como se dissessem ‘olha, vou te dar 25 mil e em troca você assina aqui e dá a quitação de tudo, não pode processar diretor da Braskem, nem nada’. Então quem pegou [o dinheiro], pegou nessa condição”, afirmou Maurício.

Protestos

Diversas manifestações já foram realizadas pelos moradores das comunidades com o objetivo de requerer uma indenização justa pela realocação das residências, mas nem todos conseguiram êxito.

Somente as residências que ficam próximas da Avenida Major Cícero de Góes Monteiro, que é a principal do bebedouro, ou seja, na entrada da comunidade, foram compradas e isoladas pela Braskem. Já os moradores da parte mais interna do Flexal permanecem lutando pela realocação.

Na última sexta-feira (1º/12), parte dos moradores bloquearam todas as vias de acesso ao bairro do Bebedouro como forma de protesto pela falta de um acordo de compensação justo.

O representante comunitário dos Flexais, Maurício Sarmento, relatou que, como resultado dessa última manifestação, ocorreu uma reunião com representantes dos gabinetes de crise da Prefeitura de Maceió e de Alagoas, em que ficou definido que serão realizados novos estudos geológicos, tendo em vista o dolinamento na mina 18.

A expectativa é que, nesses estudos, fique demonstrado o afundamento da região dos Flexais e, desta forma, os moradores sejam incluídos no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da Braskem.

Veja reportagem especial do Metrópoles sobre a tragédia nas minas de sal-gema da Braskem em Maceió.

Como fica a situação dos Flexais

A Assessoria do MPAL informou neste sábado (2) que uma força-tarefa formada pelo MPAL, MPF e DPU, deu um prazo de 10 dias para que os órgãos técnicos avaliem se a situação de estabilidade das duas ruas principais do Flexal sofreram algum tipo de modificação em razão dos fatos novos.

Em ofício assinado conjuntamente pelo MPAL, MPF e DPU, as instituições explicam que o pedido de informações está baseado no termo de acordo do Projeto Flexal que, em sua cláusula 22, estabelece a interrupção da requalificação das ruas Tobias Barreto e Faustino Silveira em caso de indicação de inclusão na área no mapa de risco.

O que diz a Braskem

O argumento da Braskem para que a comunidade permaneça sem a realocação é de que os estudos técnicos indicam que a área dos Flexais não apresenta subsidência do solo.

Contudo, a Braskem assume que a área dos Flexais enfrenta uma situação de ‘ilhamento socioeconômico’, que é relatada como uma condição ”singular, sem paralelo com a situação de qualquer outra região do Município de Maceió”.

A mineradora também afirma que a condição de ilhamento pode ser revertida com os investimentos das iniciativas previstas no Projeto de Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, sustentando que “o objetivo é preservar os vínculos entre as pessoas, o espaço e a cultura local, seguindo recomendações de instituições nacionais e internacionais”.

Fonte: Metrópoles - 03/12/2023

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