domingo, 9 de julho de 2023

Professora é agredida, e alunos denunciam violências na Ufob


                                                              
Passava das 20h quando alunos da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), em Barreiras, ouviram gritos vindos de uma das salas. Lá dentro, um aluno xingava a professora, enquanto apontava o dedo indicador no rosto dela. Não era a primeira vez, naquela noite de 14 de junho, que ele protagonizava um ataque, nem foi o primeiro registro de violência dentro da instituição, que acaba de completar dez anos.


agressão contra a professora do Centro das Humanidades reacendeu o debate sobre as ocorrências de agressão na instituição. Segundo uma dezena de alunos e professores da universidade ouvidos pela reportagem na última semana, a instituição tem sido cenário de episódios de agressões físicas, verbais e sexuais, sem propor soluções contra o problema.

Depois do ataque contra a professora, alunas espalharam cartazes pela universidade. Em um deles, está a frase escrita à mão: "A Ufob deve ser um lugar seguro. Queremos trabalhar, estudar e viver".

Desde 2016, quando entrou em funcionamento, a Ouvidoria da Ufob recebeu 28 denúncias anônimas relacionadas a assédio moral, assédio sexual e conduta ética - entre 2020 e 2021, a universidade ficou fechada devido à pandemia. Na versão de parte dos estudantes e professores, os dados estão subestimados por falta de denúncias e um clima de acolhimento pela instituição.

Das denúncias enviadas em cinco anos, quatro se referiam a violência física - três contra estudantes e uma contra professor. A universidade não se pronunciou oficialmente sobre a agressão contra a professora, há três semanas, no seu canal oficial de comunicação.

O episódio é apurado por um processo administrativo em sigilo, para “respeitar os direitos das partes envolvidas”, mas o agressor foi afastado por dois meses. Procurada, a vítima comentou a escalada da violência: "Considero que os discursos de ódio circulados livremente impulsionaram determinadas pessoas a se sentirem autorizadas a agir com violência, sobretudo, contra mulheres, negros e gays. São ataques com perfis misóginos, racistas e sexistas".

Ela disse que foi acolhida pelos estudantes e colegas, que prestaram apoio, e também pela gestão da universidade, que "também agiu com presteza e logo tomou as medidas cabíveis, com a suspensão cautelar do estudante e abertura do processo administrativo", disse a docente.

Com medo, ao ouvir gritos de um homem, outra professora ficou na universidade, com os alunos, até meia-noite. Naquela aula, por coincidência, os estudantes apresentaram seminários dos grupos sobre violência. Um deles foi sobre violência escolar.

Ela já conhecia a fúria do agressor que berrava ao lado: em 2017, foi vítima de agressões físicas e verbais cometidas por ele, no campus de Barreiras. O agressor continuou a intimidá-la e a professora, em março de 2022, passou a ir ao trabalho acompanhada por um segurança privado.

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Professora vítima de agressão, sob anonimato

"É um silêncio generalizado e estrutural, de cima para baixo. Eu guardei todas as provas e fui para a polícia. Só depois de um ano e meio consegui abrir um processo administrativo na universidade"

As aulas presenciais na universidade foram interrompidas em 16 de março de 2020, devido à pandemia da covid-19, e retornaram, integralmente, em agosto do ano passado. Sete meses antes da paralisação das aulas, duas alunas da Ufob foram vítimas de agressões.

Uma delas estava em um ônibus, com colegas e o professor, a caminho de uma viagem acadêmica para Goiânia quando, segundo ela detalhou ao Diretório Central Estudantil da universidade, foi "agarrada à força por um colega". O passeio foi cancelado e a estudante de Direito registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Barra, onde está um campus da Ufob.

A outra aluna, matriculada na faculdade de Medicina Veterinária, foi agredida a socos dentro de um ônibus que seguia para uma visita técnica. O aluno foi suspenso das aulas por um mês. Nenhuma das vítimas quis falar à reportagem.

A Ufob respondeu os questionamentos desta publicação e, em nota, reconheceu "o desafio de estabelecer um ambiente que supere o atual cenário social de intolerância e violência que não é exclusivo da universidade". Ao longo desta reportagem, você lerá o pronunciamento da instituição.

'Situação só vai melhorar se a gente debater ", diz aluno.

Até 2013, a Ufob funcionava como um instituto da Universidade Federal da Bahia. Aberta em 2006, como o Campus Professor Edgard Santos, Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável, em Barreiras, tinha a missão de promover atividades acadêmicas no oeste da Bahia, formada por dez municípios que são o maior polo agrícola do Nordeste.

Logo surgiu, em 2007, a proposta de desmembramento do espaço para que fosse criada uma universidade federal. O projeto só ganharia forma, por força de uma lei federal, seis anos depois.

Hoje, a Ufob está em cinco municípios: Barreiras, Barra, Bom Jesus da Lapa, Luís Eduardo Magalhães e Santa Maria da Vitória. Nos campi da instituição, matriculadas em algum dos 14 cursos de graduação, estudam 3.669 pessoas. 

Uma das alunas que conversou com a reportagem, sob anonimato, ingressou na instituição quando ainda se formavam as primeiras turmas da graduação. Como rapidamente começou a participar de movimentos estudantis, passou a acompanhar denúncias de violência.

Por estar na comissão de frente de uma denúncia contra um aluno, lançada nas redes sociais, ela recebeu ameaças da família do agressor. Mas a estudante não o denunciou - tanto porque um colega advogado interveio na situação quanto por não acreditar na condução das denúncias pela Ufob.

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Estudante da Ufob, sob anonimato

"A instituição tem o comportamento de abafar os casos, não sei se é para manter a imagem da instituição, mas existe esse protocolo silencioso"

Para ela, o ano de 2018 marcou uma "piora da violência". O Brasil vivia o acirramento da violência política. Nas universidades pelo país, houve crescimento "de pressões", refletidas por perseguições contra professores, entre estes e alunos e cortes de verba. A situação fez o país ser citado, em 2019, pelo relatório Free to Think, que monitora a perseguição a universidades no mundo.

No oeste baiano, a estudante acrescenta uma "cultura de silenciamento” que respinga na universidade. “Tanto que chamamos de velho oeste", brinca ela.

Outro estudante entrevistado pela reportagem, também sob a condição de não ser identificado, afirma que desde o primeiro ano dele na universidade, 2017, sabe de ocorrências de violência.

O "medo de represálias", ele acredita, inviabiliza denúncias de alunos, sobretudo se o assédio ou outro tipo de violência for cometido por um professor. Há ainda o temor quanto à "imagem da universidade".

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Estudante da Ufob. As pessoas tentam não espalhar para que a repercussão não diminua a reputação da universidade, que é jovem. Mas a situação só vai melhorar se a gente debater sobre isso" 

Dois dos casos de violência que ele presenciou foram contra mulheres. No mais recente, em 2019, a colega apresentava um seminário sobre infrações de direitos humanos contra judeus, quando um colega se levantou e começou a gritar com ela. "Eu não denunciei por medo, pois o mesmo era policial e já tinha agredido colegas", conta.

Ela se refere a uma noite de outubro de 2016. Na ocasião, alunos discutiam projeto de emenda à constituição de controle de gastos, que afetava os recursos das universidades públicas. Uma discussão teve início e um estudante agrediu fisicamente uma mulher e dois homens.

Antes, dois colegas fizeram saudações nazistas. “Como mulher judia, senti pavor”. A Ufob disse nunca ter recebido denúncias sobre antissemitismo.

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Aluna vítima de agressão 

"O ambiente da UFOB é bom, mas de vez em quando aparece alunos escrotos. Não existe da reitoria sobre esses temas e muitos continuam impondo o medo"

O outro lado: O que diz a Ufob?

A reportagem questionou a instituição sobre os casos denunciados por alunos e quais ações ela adota para conter a violência no ambiente acadêmico. A universidade reconheceu o “desafio de enfrentar o 'medo' relatado pelas vítimas para a realização das denúncias como fruto de uma estrutura social”.

A UFOB ainda afirmou que entende o assédio moral e a violência de gênero como pautas a serem enfrentadas, "consciente que a cultura do silêncio é realidade do Brasil", não "exclusiva" da instituição. Segundo a pesquisa Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário, do Instituto Avon, 67% das universitárias brasileiras já sofreram alguma violência no ambiente acadêmico.

Sobre o "silenciamento" das denúncias que os estudantes alegaram à reportagem, a Ufob defendeu que trata todas as queixas com "cuidado e seriedade" para "garantir a apuração dos fatos e aplicação da sanção, quando for o caso".

A "falta de materialidade mínima" de algumas denúncias, no entanto, dificulta a apuração, continua a universidade.

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Ufob, por meio de nota

"Importante destacar que por vezes, fruto, inclusive, ainda do medo da denúncia, alguns relatos chegam sem informação suficiente, o que impossibilita solicitar complemento de informação. Estas denúncias, infelizmente, são encerradas"

Por isso, é impossível detalhar quem são as vítimas. Mas, a partir das entrevistas feitas pela repórter e com base nas pesquisas até então publicadas, é possível apontar que a maioria delas são mulheres e pessoas negras. A professora agredida no dia 14 de junho, por exemplo, era uma mulher negra.

Para estimular as denúncias, continua a Ufob, “o primeiro passo é a divulgação sobre a Ouvidoria”. A instituição diz que tem promovido campanhas de informação sobre o canal, que recebe denúncias presencialmente, via sistema oficial da Controladoria Geral da União e por whatsapp - o número é (77) 3614-3509.

Outras medidas, como a implantação de um projeto de escuta itinerante, são "importantes no trabalho de recebimento de denúncias e demais manifestações". Em agosto, escreveu a universidade, o projeto pautará o assédio e a violência de gênero.

A gestão avaliou que seu principal desafio é "o estabelecimento de um ambiente que supere o atual cenário social de intolerância e violência, que tem impedido uma sociedade mais justa e fraterna".

Questionado, o Ministério da Educação respondeu que as universidades têm autonomia para tratar das denúncias que, porventura, recebam.

A escalada da violência na educação brasileira

O debate sobre a violência em ambientes educacionais tem ganhado força neste ano, depois de ataques a escolas pelo Brasil De janeiro a junho deste ano, foram 25 ataques a escolas, segundo o Instituto Sou da Paz, no relatório "Raio-x de 20 anos de ataques a escolas", do mês passado. Mas as universidades também são discutidas.

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Catarina Santos, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e uma das autoras de um relatório sobre violência nas escolas entregue ao governo Lula

"Quando estamos debatendo violência escolares, estamos falando do âmbito educacional. Obviamente que como as escolas básicas foram os espaços de maior ataque, acaba havendo um olhar maior, mas o debate é para todo mundo"

As universidades possuem estatutos próprios diante de episódios de violência. Os casos podem ser denunciados individualmente ou coletivamente, por meio de ouvidorias. Cabe à universidade, então, abrir um processo administrativo para julgar. A penalidade mais grave pode ser a expulsão, quando o agressor é um estudante. E a demissão, para professores.

As atribuições dessas instituições são administrativas. Quando há ocorrência de um crime, como o de racismo, a universidade tem o dever de acionar entidades jurídicas, como o Ministério Público Federal. Até o fechamento da reportagem, o MPF não respondeu quantas vezes isso aconteceu.

As universidades não estão blindadas do mundo aqui fora: são parte dele. O sistema educativo brasileiro, da educação básica à superior, é formado por 56 milhões de estudantes, o que representa um terço da população do país, estimada em 203 milhões de pessoas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

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Catarina Santos

"Aquilo que acontece fora da universidade também vai acontecer no seu interior. O que difere é que como são instituições educativas, elas precisam ser espaços de encarar, debater, resolver essas questões, de educar. Mas as universidades não estão imunes ao que acontecem for"

Na Universidade de Brasília, onde ela é professora, foram criadas secretarias de assuntos como Direitos Humanos e Inclusão, para fomentar um ambiente de diálogo. Desde o ano passado, a Unicamp também possui uma Câmara de Mediações e Ações Colaborativas para tratar a violência sob a perspectiva da gestão de conflitos.

"É a partir desses lugares que você vai pautando a própria universidade para o debate, criando um ambiente de prevenção”, concluiu a pesquisadora.


Fonte: Correio da Bahia/reprodução - 09/07/2023

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