domingo, 15 de dezembro de 2019

"Petista faz auê, bolsominion é perturbado" diz autor do livro, a filosofia explica Bolsonaro

FOTO:REPRODUÇÃO
O filósofo paulistano Paulo Ghiraldelli, de 62 anos, não sai mais de casa sem escolta. Segundo ele, é tanto odiado como amado porque ousou produzir reflexão pelo YouTube. “Filósofos são chatos, pois têm mania de criticar’’, diz, na biblioteca de casa, na zona Oeste de São Paulo, de onde transmite seus comentários. “Não abro mão do rigor conceitual. Incomodo porque penso e faço pensar.” Em vez de tentar conquistar a patuleia com piadas e frases de efeito, como fazem alguns de seus colegas, Ghiraldelli criou um canal com o qual procura fornecer instrumentos para a análise da atualidade — uma das tarefas da filosofia. O canal atingiu 360 mil seguidores. Com pelo menos quatro boletins diários, sem cortes, analisa a política brasileira, ironiza o mundo e comenta assuntos culturais. Há um mês, lançou o livro “A filosofia explica Bolsonaro” (editora Leya), que figura entre os mais vendidos do Brasil e chegou à segunda edição. Nesta entrevista exclusiva à ISTOÉ, condena os filósofos ‘‘stand-up’’ e se mostra preocupado com os rumos da inteligência brasileira, perturbada pelo obscurantismo.
Para que serve a Filosofia?

Ela fornece instrumentos para as pessoas analisarem o mundo. A metafísica ficou secundária, embora continue a ser estudada. Em compensação, a Filosofia ganhou um novo impulso ao demonstrar que é capaz de analisar a atualidade.

Por isso os pensadores se converteram em coachs?
O que eu não gosto é o cara que fica preso à universidade, mas faz palestras motivacionais. O problema é que isso mata a universidade. O aluno começa a achar que “stand-up philosophy” é conhecimento e não quer mais ler os textos, nem se dedicar. O aluno hoje acha que basta ler orelha de livro.
Há muitos filósofos supostamente geniais com um público fiel, não é mesmo?

Os astros mais destacadas da comédia filosófica se chamam Luiz Felipe Pondé e Leandro Karnal. Eles se chamam de Mosqueteiros da Filosofia.

Karnal não é um personagem simpático?

É o mais tosco. Karnal não sabe filosofia e se mete onde não é chamado. Além disso, não conhece as palavras do dicionário. Possui um vocabulário extremamente ruim. Outro dia, deu uma palestra sobre imperativo categórico, um conceito do filósofo alemão Immanuel Kant, para dizer que o conceito era instintivo. Mas, se é categórico, vem do pensamento. É também ruim como acadêmico. Dava palestras sobre ética, mas não comparecia às aulas que tinha compromisso de ministrar junto à Unicamp. Resultado: ele foi demitido. Karnal é como a Monja Cohen. Vive dizendo que é preciso repensar o seu eu interior. Chegou a afirmar que o governo é corrupto porque todos somos corruptos. Me inclua fora dessa!

Você critica ainda mais o Pondé.

É um produtor de fake news profissional. Falsifica tudo, a começar pelo currículo. Apareceu na imprensa como psicanalista. Depois, figurou como estudante de Medicina. Depois, ex-estudante de Medicina. E assim foi enganando o público e ganhou coluna no jornal. Ele afirma que não precisa ler as obras do educador Paulo Freire, que foi meu professor, para poder criticá-lo. Ora, isso é o fim do mundo!

Qual é o legado do educador Paulo Freire?

Paulo Freire trouxe a filosofia da educação para um campo nobre. É o único brasileiro citado no mundo inteiro em todas as áreas, da Física à Pedagogia, passando por futebol. Nas bibliotecas americanas, a “Pedagogia do oprimido” está nas estantes de Letras, Ciências Sociais e História. Todas as faculdades compraram um volume. Criou-se uma mentira em torno de Paulo Freire. Nem Lula nem Fernando Haddad leram os livros dele. Haddad foi ministro da Educação por dez anos e não aplicou Paulo Freire em lugar algum. Aí a Educação foi para o buraco no Brasil e culparam o Paulo Freire. Ninguém faz nada do que ele mandou. Aí chega a direita e diz: “O cara que vocês não usaram é que provocou tudo isso”. Que esquizofrenia é essa?

Outro colega seu de relevo é Olavo de Carvalho.
Colega meu, não, por favor. Ele não é nem astrólogo, e sim ideólogo do neofascismo. Acaba de estrear um programa no horário nobre na TV Escola. O problema é que se trata de uma emissora de referência para professores em todo o Brasil.
A produtora do Olavo, Brasil Paralelo, está fazendo a programação. Olavo começou a aparelhar ideologicamente os professores. O nível é de terraplanismo para além, com direito a campanhas de antivacinação e a conversão da História do Brasil em disciplina sem pé nem cabeça. Daqui a pouco veremos pré-vestibulandos jurando que a lei da gravidade nunca existiu e Zumbi dos Palmares chicoteava escravos.

Por que você fez sucesso ao malhar os políticos?

Porque mudei o perfil do canal. Antes, era dedicado temas filosóficos. Em um ano, pulei de 11 mil para 360 mil seguidores. Passei a dar instrumentos críticos a pessoas apavoradas com política. Eu voltei a ler sociologia e economia. Percebi que um monte de gente reacordou politicamente por causa do Bolsonaro. Os governos do PT geraram um marasmo. Muito petista virou funcionário do partido. Chegou um momento em que você precisava de qualquer pessoa para fazer um serviço e não encontrava ninguém, pois todos estavam no governo. O resultado é que não há mais militante jovem, só cabeça branca.

Filosofia combina com YouTube?

Sim. Quando a internet começou, eu comecei. E quando começou o YouTube, há 20 anos, virei youtuber. Eu tinha meu blog, mas me projetei com o YouTube. A origem da filosofia é oral. Sócrates dizia que o livro tem sempre a mesma resposta, mas a fala é diferente. Se vivesse hoje, Sócrates seria um youtuber influenciador.

Você lucra com seu canal?
Monetizo razoavelmente. Ganharia mais se não tivesse de pagar taxas em dólar. É o começo de um modelo de negócio que deve progredir. Boa parte das pessoas vive disso. Só não ganho mais porque tenho que arranjar advogado todos os dias. O que mais chega aqui é polícia. Pago segurança.

Pelo jeito, a vida de youtuber não anda fácil.

Não. Quando eu saio tenho que ter segurança. Sou reconhecido na rua, o cara pede autógrafo. Fui atacado em um ponto de ônibus à noite, em frente ao metrô Butantã. O sujeito perguntou se eu era professor Paulo e, quando soube, disse: “Pois saiba que eu te odeio. Eu vou te matar.” Saí correndo e me escondi em um bar. Os petistas fanáticos só fazem auê. Já os bolsominions podem ser meio perturbados.

Por que você disse que uma bolsonarista famosa, Regina Duarte, sofre de deficiência cognitiva programada?

Um deficiente cognitivo programado não é uma pessoa limítrofe, mas afetada pela ideologia. Ela adquire um limite de pensamento desde a infância. Regina Duarte é o caso de uma atriz que não conseguiu aprender com os personagens que interpretou. Ela parece impermeável ao conhecimento. A origem do problema está nos pais, como acontece com outras pessoas. Ela quis virar atriz para reparar injustiças que fizeram com o pai, militar. Passou por vários governos de esquerda no Brasil, sem ter notado que o comunismo até hoje não chegou aqui.

Por que você é tão atacado pelos canais “progressistas”, como 247, DCM etc.?
Porque eles só fazem propaganda. A blogosfera do PT é tudo a mesma coisa. Eles pegam dinheiro do PT. Muita gente que eu não imaginava recebe verbas do partido. O cara levanta de manhã e passa o dia dizendo que Lula é santo e os Estados Unidos vão dar um golpe. É uma mentirada total. Há militantes petistas que conseguiram estragar uma das coisas mais interessantes que o PT fez: a TV Brasil. Eles ganhavam um bom salário, mas não apareciam lá e a TV não aconteceu.

A rede Globo exerce o papel de malvada favorita de todo os políticos populistas?
O populista escolhe um inimigo, em geral famoso. Trump escolheu três redes para bater. No Brasil, a Globo foi a eleita do Jânio, do Brizola e do Lula. Só não foi eleita pelo Collor porque era dono de uma parte dela. A Globo é uma empresa de comunicação que dá impressão de monopolista por ser a única. Só ela chega em todos os lugares do Brasil. Se houvesse outra rede rival, não haveria monopólio. De 1995 para cá, ela profissionalizou o jornalismo. Alguns podem considerar Ali Kamel um nazista, mas o jornalismo que ele pratica é superior ao das redes americanas. A Globo vende informação, e não batata.

A bipolaridade Lula-Bolsonaro prejudica a economia?

A disputa entre Lula e Bolsonaro não é boa para o sistema financeiro e aumenta a nossa nota de risco. Numa situação tranquila, os investidores apareceriam. A regra do investidor é chegar antes e sair antes. Os bancos querem a paz para lucrar, mesmo que seja a dos cemitérios.

Como, enfim, a Filosofia pode explicar Bolsonaro?

Bolsonaro é a figura mais contemporânea que você pode ter. Como a Filosofia tem a tradição de pensar o próprio tempo, ela precisa se encontrar com Bolsonaro, que é a síntese do momento. Ele resume o que os filósofos dizem há 50 anos. Estamos perdendo o vocabulário em beneficio da capacidade pictórica. Bolsonaro é uma foto sem legenda. Os demais presidentes precisavam de legenda. Ele, não. Só tem gestos. No hospital, fez arma em vez de sinal de positivo. Ele come a legenda. É um presidente que, por não precisar falar, pode dizer as abobrinhas que quiser. Cativa uma população que vive de imagens. O número de jovens que o desenhou como herói de quadrinhos durante a campanha é impressionante. É como se ele pertencesse a uma faixa de idade entre 13 e 15 anos. Pior é que o universitário brasileiro também está no mesmo nível.

Ele espelha a regressão do eleitor?

Bolsonaro mostra que é possível reduzir todos os sentimentos aos emojis, figurinhas que não permitem a sofisticação das emoções. Ele reduz tudo ao visual. Bolsonaro rebaixa todas as emoções a imagens. Bolsonaro é um presidente dos emojis, da não linguagem, do estágio primitivo da civilização. De fato, estamos caminhando rumo a um mundo tosco. As crianças manipulam bem os aparelhos digitais e as pessoas dizem que as crianças ficaram mais inteligentes. Mas foi a máquina que ficou simples. Meu cachorro é capaz de se comunicar assim. Estamos vivendo no mundo pavloviano criado por Jair Bolsonaro.

FONTE: REVISTAONLINE ISTOÉ EDIÇÃO 2607 DE 13/12/19 

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