Um dos 20 primeiros internados por covid-19 na Bahia faz duas fisioterapias diariamente - foto:reprodução
Há um mês em casa, Luis Vertime, 51 anos, faz duas fisioterapias diárias e é acompanhado por cardiologista, fonoaudióloga e nutricionista. Se prolonga o papo, como aconteceu durante a entrevista, por telefone, fica rouco. Ele, um dos 20 primeiros infectados pelo coronavírus na Bahia, também passou a tomar oito remédios, cinco a mais do que antes. “Não quero ser cantor, nem maratonista”, ri. Um painel realizado no Reino Unido mostrou que, como ele, 45% dos curados precisarão de reabilitação - o que tem sido chamado de Síndrome Pós-covid.
As sessões de fisioterapia do engenheiro civil Luís - metade coberta pelo plano de saúde e a outra metade particular - acontecem pela manhã e tarde, no apartamento onde mora. Depois de 82 dias internado - 60 deles entubado -, ele retornou para casa, 15 quilos mais magro, com perda de força muscular, dificuldade para respirar, danos nos pulmões e a indicação de iniciar a reabilitação.
Quando são liberados, pacientes podem começar uma nova batalha. Isso tem ocorrido com vítimas mais graves da doença - em torno de 20% evoluem para esse estado, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Com danos à musculatura e ao pulmão deixados pela covid-19, Luis faz duas sessões de fisioterapia por dia (Foto: Acervo Pessoal) |
A reabilitação tem início ainda no hospital, quando o paciente precisa estar hábil para a alta. Em duas unidades de saúde privadas, de 35 a 45 pacientes curados da covid-19 há pelo menos duas semanas, se recuperam, ainda internados, das sequelas motoras e respiratórias deixadas.
De acordo com o boletim desta sexta-feira (7) da Secretaria Estadual da Saúde, a Bahia registra 187.892 casos confirmados desde o início da pandemia e 169.322 já são considerados curados.
Ou seja, quase 170 mil pessoas recuperadas - pacientes internados que testaram negativo e pacientes leves sem sintomas após 14 dias do início da infecção.
As secretarias estadual e municipal de Saúde não estimam quantos dos curados ainda precisam se recuperar dos danos deixados. A Agência Saúde Suplementar, que regulamenta os planos de saúde, também não.
Luís deixou o hospital numa cadeira de rodas, sem equilibrar o peso do corpo sobre as pernas. Só ficou de pé uma semana depois. No mesmo período, foi diagnosticado com trombose. Mal havia deixado o hospital, precisava retornar. Dessa vez, para tratar um problema associado à covid-19, que favorece a formação de coágulos pelo corpo e dificulta a circulação de sangue.
“Colocaram um filtro que impede qualquer um dos trombos das pernas de se deslocarem”, lembra.
O jornalista esportivo Rodrigo Rodrigues morreu, no dia 28 de julho, vítima de uma trombose provocada pela covid-19. Nele, o coágulo se formou no cérebro.
Diferentemente do que se convencionou a enxergar como paciente “padrão” dos casos graves - idoso, sedentário e acometido por múltiplas comorbidades -, Luís é apenas hipertenso, mas levava uma vida ativa antes de ser infectado.
Cicatrizes nos pulmões
Imagem representativa de pulmão com cicatrizes (Foto: Hospital das Clínicas da USP) |
A tempestade inflamatória acontece intensamente nos alvéolos, responsáveis pelas trocas gasosas, e no interstício, localizada entre o alvéolo e pequenos vasos sanguíneos. Os casos de pneumonia, embolia pulmonar e insuficiência respiratória são consequências disso e permanecem identificáveis por meses ou para sempre. Depende da gravidade.
“A pergunta que fica é: a sobrecarga pode ser temporária, mas o dano será permanente? Já atendi alguns pacientes que precisam ser reavaliados e acompanhados para saber como vão evoluir”, diz o também diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Cardio Pulmonar.
Na reabilitação, os rins são outra questão. O vírus age diretamente nos túbulos renais e compromete as células. A própria resposta inflamatória do corpo e a dosagem diária de medicamentos também têm ação direta. De 20 a 40% dos internados apresentam insuficiência renal aguda e precisam de diálise.
“A dúvida é se depois da alta eles vão evoluir para a recuperação total ou parcial, se vão ter um risco maior de desenvolver insuficiência crônica”, pontua a nefrologista e membro da Sociedade Brasileira de Nefrologia Angiolina Krachete.
Os pacientes graves de covid-19 precisam reaprender a respirar, como diz o Doutor em Pneumologia e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Álvaro Cruz. A fisioterapia respiratória começa tão logo o respirador é desligar. Depois do primeiro desmame - o da mãe -, essas pessoas enfrentam o “desmame do respirador” que as mantinham vivas. É um segundo nascimento.
“A fisioterapia respiratória é essencial no processo. As complicações futuras precisam ser acompanhadas”, explica. Há aparelhos específicos usados nas sessões.
O cardiologista William Conceição, 43, renasceu dois meses da internação, no dia 23 de maio. Está em casa, com fisioterapia diária nos próximos três meses. Os pulmões do médico ficaram 50% comprometidos.
Médico ficou com 50% dos pulmões comprometidos (Foto: Acervo Pessoal) |
As principais diferenças, agora, são as variadas frentes de ataque do vírus, o tempo de internação dos pacientes, a necessidade prolongada de sedação e o isolamento. No caso de William, e imobilidade custou a capacidade de flexionar o pé direito.
“O movimento dessa pessoa está limitado. Mesmo um paciente que não foi internado pode ter espaço restringido e ficar parado. O corpo vai perdendo força”, explica o fisioterapeuta intensivista, Thiago Rios Soares, que atende em domicílio três pacientes pós-covid, embora não haja protocolo padrão.
Os danos no sistema nervoso também intrigam os especialista. As enzimas ACE-2, sobre a qual falamos, também estão presentes nessa região. O vírus, ao encontrá-la, pode causar estragos. O aumento da probabilidade de propensão a AVCs, por exemplo, tem sido estudada. Durante a entubação e sedação, explica a neurologista intensivista e doutora do tema Juliana Caldas, o paciente é bombardeado por medicamentos, como analgésicos e bloqueadores que, embora essenciais, têm seus custos.
“Avaliaremos o DNA dos pacientes, como evoluíram, e analisar a resposta inflamatória. Pode ter uma forma de gene que faz com que algumas pessoas sejam mais suscetíveis a determinados problemas”, conta o professor de Imunologia Jonilson Berlink Lima.
Os estudos sobre as ações no sistema reprodutor masculino e estômago, por exemplo, ainda engatinham. Um estudo de Wuhan, na China, afirmou que homens em recuperação de covid-19 podem apresentar diminuição dos hormônios TLH e testosterona. As possíveis consequências? Disfunção erétil e perda da libido.
“A covid-19 pode ter papel na desregulação da coagulação. A artéria do pênis é muito fininha. Para ocorrer uma ereção, passa muito sangue num curto período de tempo. Uma lesão nessa artéria pode bloquear essa capacidade”, afirma Lucas Batista, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia e professor da Ufba.
A ansiedade é outro lado da moeda - capaz de afetar tanto o desejo sexual, quanto o sistema gástrico. Os hormônios liberados - como a gastrina -, em períodos de ansiedade podem causar sintomas como diarreias e dores de barriga, como na fase inicial da doença, explica o hepatologista e Raymundo Paraná.
O sistema gástrico também pode ser prejudicado pela perda de olfato e paladar - ainda não se sabe por danos a células neurológicas ou olfativas -, já que o apetite diminui. Na última semana, a Universidade de São Paulo (USP) apontou que, em 10% dos curados, o dano pode ser irreversível. Certo é que, como consentem os especialistas, os pacientes pós-covid precisam ser monitorados.
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