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A pressão feita pelo Palácio do Planalto no conteúdo produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) tem levado a estatal a registrar casos de censura e de boicote a opiniões contraditórias do que prega o governo. A situação se agravou nos últimos dias com a troca de diretores da EBC.
Chegaram aos quadros da estatal, recentemente, o ex-diretor do programa Pânico na Band Alan Eduardo Rapp e o publicitário Glen Lopes Valente, ex-diretor do SBT.
Funcionários reclamam que, em vez de comunicação pública, os veículos como TV Brasil, Agência Brasil e Rádio Nacional estão sendo usados para propaganda e promoção pessoal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Além disso, o conteúdo veiculado vem sofrendo modificações. Na última terça-feira (13/10), por exemplo, o canal conseguiu os direitos de transmissão da partida entre Brasil e Peru, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Confrontos da Série D do Campeonato Brasileiro também passaram a ser exibidos.
Preservar a imagem dos governos não é novidade na estatal, mantida com dinheiro público e com capital social no valor de R$ 300 milhões, divididos em 200 mil ações ordinárias nominativas e sem valor nominal.
Ultimamente, no entanto, empregados se queixam de que a ingerência governamental está cada vez mais taxativa. A cobertura das queimadas no Pantanal e na Amazônia, por exemplo, teve pouco espaço para visão crítica e contemplou as explicações do governo. O mesmo se repete com a pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
A fusão entre a TV Brasil e a TV NBR, feita no ano passado, acentuou os problemas, disseram os profissionais ao Metrópoles com a condição de terem as identidades preservadas. Antes existia uma separação entre o jornalismo da NBR, que acompanha a agenda da Presidência e de ministros, e o jornalismo da TV Brasil, que deve ser público de fato, para ouvir a sociedade em geral e trazer as diferentes visões.
“Com a fusão entre os canais, o jornalismo da TV acabou trazendo muito mais a pauta oficial de governo e, por consequência, a figura do presidente. Quase toda pauta governamental é exibida sem qualquer contraditório na TV Brasil. Isso se reproduziu nas rádios e na Agência Brasil”, conta um jornalista, que trabalha há anos na empresa.
Um dos motivos para essa fusão foi a tentativa de diminuir os gastos. Em 2018, houve dois planos de demissão voluntária. A EBC, que naquele ano tinha 2.278 funcionários, hoje conta com 1.600. Também há um esforço para que os orçamentos não sejam totalmente executados.
No ano passado, por exemplo, o orçamento da empresa alcançou de R$ 617 milhões, mas foram executados R$ 471 milhões. Em 2020, o orçamento é de R$ 652 milhões. Até outubro, a execução está em R$ 345,5 milhões, segundo o Portal da Transparência.
Foco no presidente
Até mesmo as notícias que partem do próprio governo, mas com potencial de desgastar a imagem do presidente, acabam sendo evitadas. Um dos exemplos é o uso da cloroquina, remédio defendido por Bolsonaro como tratamento para a Covid-19. A droga não tem eficácia científica reconhecida para esse fim.
A TV Brasil chegou a fazer programas com especialistas que questionam a serventia da medicação. Porém, quando o presidente passou a defender mais abertamente o remédio, os obstáculos surgiram.
“Os colegas relatam muitas dificuldades em fazer uma cobertura mais crítica ao governo. A empresa não pode virar máquina de propaganda e de promoção pessoal do presidente. Isso é uma violação da Lei da EBC”, aponta um funcionário.
“Como os chefes da TV Brasil, em sua maioria, não são do quadro, não questionam o uso político do jornalismo da TV para beneficiar o governo, fugindo do propósito legal para o qual a empresa foi criada”, complementa o servidor.
A ida de figuras como Alan Rapp para o comando da EBC reforça o objetivo do governo em reforçar conteúdos positivos para o Planalto e evitar exposições desgastantes. Nas redes sociais de Rapp, é comum vê-lo elogiando Bolsonaro e ministros, além do hábito de reproduzir mensagens pró-governo.
Privatização
As recentes declarações feitas pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, de que a empresa precisa passar por algumas adequações antes de ser privatizada, gerou ainda mais desconforto entre os servidores.
“Somos contra a privatização. Nossa perspectiva é de uma EBC de fato pública e com garantias de independência editorial”, defende outro funcionário.
Com a insatisfação dos servidores cada vez maior, os conflitos aumentaram. Até mesmo o teletrabalho se tornou motivo para desavença. “Os chefes tiveram que – exceto os do grupo de risco – seguir trabalhando de forma presencial. E isso acirrou ainda mais os ânimos”, relata um colaborador.
Ele continua: “Antes, as divergências eram relacionadas às pautas, às censuras, às práticas de governismo. Agora, esses chefes, com o suporte da direção, querem impor um retorno ao trabalho presencial de forma obrigatória, mesmo o jornalismo da empresa funcionando bem com o trabalho remoto. É como se fosse uma vingança , uma birra”, pondera.
Versão oficial
O Metrópoles entrou em contato com o Palácio do Planalto, que não quis comentar o caso.
A EBC também foi questionada sobre as queixas feitas pelos funcionários, mas não obteve retorno. O espaço continua aberto para esclarecimentos.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) acompanham a situação.
fonte:Site Metrópoles - 17/10/2020 - 00h:35min.
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