domingo, 15 de novembro de 2020

Eleições medem impacto da pandemia na política e força do populismo nas urnas



Brasileiros de 5.569 municípios vão às urnas, neste domingo (15/11), para o 1º turno das eleições municipais de 2020 sob o impacto de uma das maiores crises globais de saúde da história moderna. Especialistas avaliam que a condução do enfrentamento da pandemia do novo coronavírus será um dos maiores fatores para decisão de voto neste ano, transcendendo, em muitos casos, as avaliações sobre tradicionais problemas cotidianos das cidades.

Além disso, pode começar a sinalizar uma tendência para as próximas eleições nacionais, em 2022, já que a onda conservadora e populista que carregou Jair Bolsonaro ao Planalto em 2018 também estará sob avaliação.

Cientistas políticos ouvidos pelo Metrópoles avaliam que a crise sanitária global mudou também a maneira de se fazer política e provocou alterações drásticas no formato das campanhas eleitorais. Este ano, por exemplo, em função do risco de contágio pela Covid-19, candidatos não puderam promover grandes encontros com eleitores. Muitos nem mesmo conseguiram ir às ruas em busca de votos.

A alternativa encontrada entre os partidos para atingir o eleitorado também mudou. Se as eleições de 2018 indicavam a perda de força da publicidade eleitoral televisiva, em 2020 a propaganda na TV voltou a ganhar espaço, juntamente com o incremento do investimento na comunicação pelas redes sociais. Os especialistas acreditam que, nesta edição, ficou mais difícil para candidatos novatos largarem na frente de velhos conhecidos da política brasileira.

“Divisora de águas”

Com o crescimento de infecções por coronavírus no país, havia um temor de que o processo eleitoral deste ano fosse marcado por uma “explosão de abstenções”. No entanto, o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Alcindo Gonçalves avalia que a expectativa não se confirmará neste domingo.

“Creio que os resultados de abstenção serão semelhantes aos de eleições anteriores, não acredito muito na explosão de abstenção, que no Brasil já é tradicionalmente alta. O isolamento social caiu, todo protocolo desenvolvido pelo TSE não gera nenhum temor e estamos falando de uma eleição muito rápida: afinal, são apenas dois votos. Não há razão de medo”, explica o professor da Universidade Católica de Santos, em São Paulo.

Se a crise sanitária não provocará abstenção em massa, Gonçalves crê, contudo, que ela servirá como “divisora de águas” do cenário político brasileiro: “A pandemia irá impedir reeleição de candidatos que não tiveram êxito no desempenho de controle da doença”.

“Pesquisas já mostram que prefeitos que tiveram uma ação mais incisiva na questão da pandemia, tomando medidas efetivas, estão melhores entre o eleitorado do que aqueles que foram mais descuidados. Um prefeito que se comportou mal na pandemia tende a ser mais mal avaliado. Não há coisa pior para um prefeito que concorre do que sua baixa avaliação”, completou.

Para o cientista político, a má gestão da pandemia de um governo fortalece os candidatos de oposição. “Até por isso que defendo que será uma divisora de águas. Se o prefeito é mal avaliado entre os moradores do município, a coisa complica para ele, porque a oposição ganha espaço, ganha força. Ela cresce do erro do governante, cresce de onde ele se absteve.”

A professora da escola de políticas públicas e governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Graziella Testa acredita em grande taxa de reeleição de prefeitos este ano.

“A tendência neste ano, como teve muito prefeito se elegendo em primeiro mandato em 2016, é de que haja a maior proporção da nossa história recente de prefeitos que estão aptos para reeleição. Significa que, como cerca de 80% podem se reeleger, é provável que a gente enxergue uma taxa de reeleição bem alta”, pondera.

A docente também analisa que o desempenho dos partidos mudou. “Não tem mais coligação para eleição proporcional. É o primeiro ano em que os partidos terão que se virar sozinhos. O incentivo dessa regra é para que os partidos se fortaleçam e busquem estratégias internas para atingir o eleitorado”, acrescenta.

Efeito Bolsonaro

Além dos impactos da gestão da pandemia nas urnas, os estudiosos também calculam que o pleito ajudará a entender qual a avaliação dos eleitores brasileiros sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O chefe do executivo federal tem feito campanha para alguns candidatos aliados. Pelos pedidos de votos durante lives semanais, o mandatário do país virou alvo de investigação da Procuradoria-Geral Eleitoral, que investiga se Bolsonaro cometeu “ilícito eleitoral”.

Para o especialista em marketing eleitoral Victor Trujillo, o apoio de Bolsonaro às campanhas municipais ainda é tímido no comparativo com o apoio manifestado por outros presidentes do país em eleições anteriores. O professor avalia inclusive que “Bolsonaro desperdiça uma oportunidade”.

“Era hora de Bolsonaro estar presente, de se movimentar politicamente. Me parece que essa é uma estratégia dele, que ele não quer testar suas popularidades nas urnas. Acho que ele avaliou que o momento, diante da pandemia e dos desafios que o país atravessa, não é de testar sua popularidade nas urnas agora”, explica.

Diante do fraco apoio manifestado pelo presidente aos aliados, o especialista em marketing político projeta: “Essa estratégia há de se comprovar no futuro que não foi exitosa”.

“Bolsonaro não está construindo uma base de apoiadores para eleições de 2022 e não tem uma noção, um parâmetro de se será reeleito. A importância das eleições municipais é garantir a capilarização do apoio. Toda cidade tem um Banco do Brasil e toda cidade tem um prefeito. Quem quer ser reeleger presidente precisa de apoios até nos menores dos municípios”, completa Trujillo.

Volta da política tradicional?

Outro ponto que poderá ser avaliado com os resultados ainda do primeiro turno, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é o enfraquecimento ou fortalecimento dos governos populistas de direita, que ascenderam ao poder, em todo mundo, a partir do ano de 2016.

Graziella Testa, cientista política da FGV, crê em uma mudança estrutural significativa da política brasileira ocorrendo a partir deste pleito.

“Está passando aquela onda de descontentamento generalizado com os partidos e a excessiva personalização. No ano de 2016 e nas eleições de 2018, as eleições foram marcadas pelo antipartidarismo e o crescimento dos outsiders, de fora da política”.

O discurso da docente é endossado pelo cientista político Márcio Coimbra, da Faculdade Presbiteriana Mackenzie. Coimbra defende que a linha ideológica já dá indícios de que está caindo no conceito dos eleitores.

Ele cita, por exemplo, os resultados das eleições presidenciais dos Estados Unidos, onde o candidato pelo Partido Democrata, Joe Biden, venceu Donald Trump – presidente populista de direita.

“Os resultados confirmarão que pessoas que ganharam eleições passadas e não eram do ramo político não estão conseguindo liga com a política e, por isso, perderam força. Falta gestão política aos populistas de direita”, defende.

De acordo com Coimbra, a pandemia exigiu, principalmente, uma boa gestão política dos governantes. “A gente está vendo, no mundo todo, que quem não foi negacionista – característica forte dos populismos de direita – está tendo sucesso.”

Para o docente, um exemplo de enfraquecimento destes políticos ocorre nas projeções das eleições para Prefeitura do Rio de Janeiro. “Crivella foi um negacionista desta pandemia e está com 75% de rejeição no Rio. Quem tem mais de 40% de rejeição no segundo turno não se reelege. Nós dois poderíamos concorrer hoje com o Crivella que ganharíamos no 2º turno.”

A tendência, segundo o especialista, é de um “retorno à política tradicional”. “Haverá, ao que tudo indica, um enfraquecimento do populismo e o eleitorado vai fazer as pazes com a política tradicional. O populismo caiu no conceito do eleitor, porque os populistas eleitos não souberam fazer uma gestão política”, finalizou.

fonte:Metrópoles - 15/11/2020 08h:37min.

0 comentários:

Postar um comentário