Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Oficiais do Exército que seguem em postos estratégicos no Ministério da Saúde foram os responsáveis pela contratação da empresa sem experiência no SUS para a distribuição de vacinas pediátricas e por parte da confusão que ocorreu na distribuição das primeiras doses aos estados.
O general Ridauto Lucio Fernandes, que foi para a reserva do Exército ocupando uma patente de general de duas estrelas, precisou agilizar em dezembro a contratação da empresa responsável por transportar os frascos da vacina pediátrica da Pfizer.
Coube a ele dispensar a licitação, agir com "urgência", ser o ordenador da despesa e assinar os contratos.
Já o tenente-coronel Reginaldo Ramos Machado repassou orientação aos estados que esteve no cerne de parte da confusão causada na distribuição dos primeiros lotes das vacinas infantis.
Machado, segundo relatos feitos à Folha, orientou a busca dos imunizantes diretamente nos aeroportos e afirmou que não era atribuição da empresa contratada transportar as doses até as centrais de armazenamento locais. O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Fernandes e Machado estão em postos-chave na gestão do ministro Marcelo Queiroga (Saúde), mesmo após a saída dos militares que comandaram a pasta nos piores momentos da pandemia da Covid.
O general Eduardo Pazuello, que foi secretário-executivo e ministro da Saúde de abril de 2020 a março de 2021, militarizou pelo menos 20 postos de natureza técnica, atendendo a uma diretriz e a um desejo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Pazuello é investigado por suspeita de crimes na crise de oxigênio no Amazonas, quando pacientes morreram asfixiados em janeiro de 2021; foi acionado por improbidade administrativa na Justiça, por ter prejudicado o combate à pandemia com o retardamento da compra de vacinas, segundo o MPF (Ministério Público Federal); e teria cometido outros crimes, conforme a CPI da Covid no Senado.
Demitido, o general foi abrigado em cargo de confiança no Palácio do Planalto. Foi o mesmo destino de seu ex-braço direito no Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco Filho, a quem cabia as negociações para compra de vacinas. Franco também teria cometido crimes na pandemia, segundo o relatório final da CPI.
A saída de Pazuello e a chegada de Queiroga não puseram fim à militarização do Ministério da Saúde. O general Ridauto Fernandes ganhou o cargo de diretor do DLOG (Departamento de Logística em Saúde), área por onde passam os principais contratos da pasta.
Pazuello levou Fernandes ao ministério para ser inicialmente assessor do DLOG, em janeiro de 2021, no momento em que o diretor era Roberto Ferreira Dias, um nome do centrão com força no governo Bolsonaro.
Menos de dois meses depois, Fernandes ganhou o cargo de assessor especial de Pazuello, exercendo uma influência direta nos rumos do Ministério da Saúde.
Com a demissão de Pazuello e de Dias, este último por suspeita de cobrança de propina em um mercado paralelo de negociação de vacinas, o general assessor virou diretor do DLOG, em julho de 2021. Passou a ser o responsável pelas principais contratações do ministério.
Enquanto o ministro da Saúde adotava medidas no fim do ano que postergaram o início da vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19, Fernandes tentava viabilizar uma contratação sem licitação para o transporte das doses pediátricas.
Um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) apontou falta de justificativa para a dispensa de licitação; disse ser temerário o prazo de até cinco anos previsto para os contratos; cobrou análise de custos de entregas anteriores, para definição dos preços; e identificou defasagem das quantidades a serem transportadas.
Mesmo assim, o general ratificou a dispensa de licitação e os mesmos termos contestados, após notas técnicas de seu departamento afirmarem que houve um cumprimento das recomendações feitas pela consultoria jurídica junto ao ministério.
Fernandes cobrou urgência em dois ofícios. Um deles foi confeccionado em 21 de dezembro. No dia seguinte, o general publicou a dispensa de licitação e assinou dois contratos com a IBL (Intermodal Brasil Logística), no valor de R$ 62,2 milhões, para armazenamento e transporte de 100 milhões de doses da vacina da Pfizer, a uma temperatura de -90ºC a -60ºC.
A IBL não havia tido experiências com o transporte de vacinas no SUS.
As primeiras entregas foram marcadas por problemas como atraso de voos, falta de equipes em aeroportos, desacerto sobre quem deveria transportar os imunizantes até os depósitos dos estados, condições impróprias de armazenamento e supercongelamento de doses.
Uma orientação do tenente-coronel Reginaldo Machado contribuiu para a confusão. Ele é diretor do Departamento de Gestão Interfederativa e Participativa do Ministério da Saúde. O militar não chegou ao cargo pelas mãos de Pazuello, mas pelas de Nelson Teich, que não ficou nem um mês no cargo de ministro.
Machado chegou ao cargo em maio de 2020 e permanece. Foi ele quem, segundo relatos feitos à reportagem, orientou a busca das doses de vacinas pediátricas diretamente nos aeroportos.
A orientação do tenente-coronel contraria especificações em documentos que embasaram a contratação da IBL. Cabe à empresa assegurar o transporte às centrais de armazenamento, como indica o próprio Ministério da Saúde.
A pasta chegou a admitir um "desencontro" na distribuição das vacinas. Em nota, o ministério afirmou que superintendências da pasta e secretarias estaduais de saúde foram mobilizadas para o transporte a partir dos aeroportos e que isso "acarretou um desencontro".
"A pasta ressalta que a orientação para as entregas dos imunizantes é a de praxe: a empresa contratada faz o transporte", disse o ministério.
Antes de cuidar da gestão interfederativa no Ministério da Saúde, Machado foi por seis meses, no primeiro ano do governo Bolsonaro, diretor de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O Ministério da Saúde afirma que a contratação da IBL seguiu os procedimentos legais necessários e que os contratos assinados estão de acordo com o que preconiza o parecer jurídico.
A IBL ofertou o menor preço e houve análise dos custos de entregas anteriores, mas "não há preços para comparação", por se tratar de doses de vacinas a serem mantidas e transportadas entre -90ºC e -60ºC, segundo o ministério.
Um processo de fiscalização, ainda em análise, investiga as falhas ocorridas na entrega de vacinas pediátricas, conforme a pasta.
A IBL diz que os serviços de distribuição e acondicionamento das vacinas estão ocorrendo com altos padrões de segurança, que foram exigidos no chamamento público com dispensa de licitação.
"Estamos mantendo, durante as operações, um contingente considerável de profissionais do mais alto gabarito, a postos para garantir o atendimento de quaisquer demandas. Todas as etapas sob a nossa responsabilidade foram cumpridas com excelência, sem qualquer prejuízo ou risco à qualidade das vacinas", afirma.
Segundo a empresa, não houve comprometimento da integridade das vacinas por perda de temperatura.
Fonte: por Vinicius Sassine/ FOLHAPRESS - 31/01/2022
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