Enquanto Putin ameaça militarmente a Europa e provoca os EUA, Bolsonaro anuncia que vai visitá-lo em Moscou. Essa poderá ser uma catástrofe sem precedentes para a política externa do Brasil, escreve Philipp Lichterbeck.
Eu me encontro, no momento, na Alemanha. O tema número um em todos os veículos de notícias é a ameaça de as tropas russas invadirem a Ucrânia. A Rússia elevou sua presença militar em Belarus, assim como no Mar Báltico e na fronteira com os países da região.
O presidente russo, Vladimir Putin, criou um nível de ameaça que não se via desde a Guerra Fria. Ainda não está claro o que ele almeja exatamente, mas, na Europa, aumenta o medo de uma guerra. Este não é um cenário abstrato, mas assustadoramente real. No Brasil, onde a distância para esse conflito é muito grande, é difícil imaginar essa situação.
A guerra, de todo modo, é algo bastante abstrato para os brasileiros, o que, claramente tem a ver com o fato de o país quase não ter se envolvido em conflitos com poderes externos, com a exceção da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. A única guerra que o país vem travando desde a colonização é a guerra diária contra si próprio, contra sua própria população: os indígenas, negros, pequenos fazendeiros, os pobres nas zonas rurais e os favelados.
Se Putin iniciar uma guerra na Europa, isso afetará o mundo inteiro, e também o Brasil, que já se encontra numa profunda crise econômica, social e moral. Pode-se criticar a Otan por, com frequência, não levar a sério as sensibilidades e preocupações de segurança russas. Mas, está bem claro quem é que representa o perigo atual de uma guerra: Vladimir Putin.
Da mesma forma, ficou claro nos últimos anos que a Rússia tenta manipular eleições no Ocidente, através de campanhas direcionadas de desinformação nas redes sociais e através de sua emissora de propaganda política, a RT, sempre em favor dos partidos e candidatos de direita ou extrema direita.
O objetivo é sempre dividir e enfraquecer o Ocidente, por exemplo, através do Brexit. Na Rússia, figuras de oposição são perseguidas, presas e assassinadas, e as organizações de direitos humanos, banidas. Em 2019, o governo russo esteve por trás do assassinato de um desafeto tchetcheno em Berlim.
"Ele é conservador", elogia Bolsonaro
Apesar de tudo isso, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, quer fazer uma visita a Putin ainda em fevereiro. Sua justificativa para fazê-lo, num momento em que Putin ameaçar jogar a Europa e o mundo numa guerra, é bastante primitiva, até para os padrões de Bolsonaro.
"Ele é conservador, sim. Eu vou estar mês que vem lá, atrás de melhores entendimentos, relações comerciais. O mundo todo é simpático com a gente.” Trata-se da habitual conversa sem conteúdo de Bolsonaro.
É notável, porém, que ninguém no governo brasileiro, nas Forças Armadas, na imprensa ou na economia, tenha se pronunciado de maneira clara contra essa viagem. O chefe de Estado do Brasil, que parece agora ter abandonado por completo a realidade, quer claramente isolar o país da comunidade internacional. É impossível imaginar o estrago em termos de política externa para o Brasil, quando as imagens de Bolsonaro, com seu riso infantil de sempre, ao lado do frio e sorridente estrategista Putin, correrem o mundo.
Bolsonaro e seu círculo já insultaram e provocaram líderes europeus e o governo de Joe Biden. Ele não somente estragou a imagem do Brasil ao redor do mundo com suas políticas para a Amazônia, como também foi ridicularizado com sua política para a pandemia. Ele passeou com sua entourage pelas ditaduras árabes contando piadas homofóbicas, porque ninguém mais no mundo quer recebê-lo.
Agora, ele quer dar um golpe mortal na imagem internacional do Brasil, que dez anos atrás ainda era excelente, e fazer com que o país se torne inviável como parceiro confiável. Afinal, depois disso com quem esse governo vai querer conversar, negociar e pedir ajuda em meio a uma crise? Com a Rússia, que, a propósito, ameaça armar a Venezuela e Cuba, o que, por si só, já enterra o argumento de Bolsonaro de que Putin seria conservador.
Jair Bolsonaro e seu círculo, como sempre, vão fingir que não entendem porque todo mundo está tão exaltado. Ele dirige na contramão da diplomacia. O fato de que pretende esnobar toda a Europa Ocidental e os Estados Unidos é uma catástrofe de dimensões sem precedentes para a política externa brasileira.
--
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Philipp Lichterbeck
Fonte:DW - 03/02/2022
0 comentários:
Postar um comentário