Marcello Siciliano foi detido no México por estar entre os suspeitos de participar da morte de Marielle Franco(foto: Renan Olaz/CMRJ
O ex-vereador do Rio de Janeiro e suplente de deputado federal pelo Progressistas (PP) Marcello Moraes Siciliano é o homem que foi detido em Cancún, no México, durante o governo de Jair Bolsonaro. O motivo era que, na época, ele esteve entre os suspeitos de participar da morte de Marielle Franco.
Siciliano chegou a ser apontado como principal suspeito de ter dado a ordem para o assassinato. Porém, a testemunha que o citou à época mudou de ideia e passou a negar que o relato fosse verdadeiro. Questionado pela reportagem, o Ministério Público do Rio de Janeiro disse que as investigações do caso Marielle correm sob sigilo e não informou se Siciliano segue investigado.
A interrupção da viagem no México aconteceu porque Siciliano estava com visto para os Estados Unidos suspenso — justamente pelas suspeitas de envolvimento no assassinato de Marielle. Isso gerou um alerta às autoridades mexicanas, que detiveram o ex-vereador.
A Agência Pública confirmou junto a fontes em Brasília que foi Siciliano o homem parado em 23 de julho de 2019, quando embarcava com sua família rumo às praias de Cancún, no caribe mexicano. A informação sobre o bloqueio havia sido obtida sem o nome dele por meio da Lei de Acesso à Informação.
A Pública revelou que a situação levou o advogado de Siciliano a acionar o Itamaraty. Um documento do Ministério das Relações Exteriores da época, assinado pela então cônsul-geral do Brasil no México, Wanja Campos da Nóbrega, mostra que o caso foi retransmitido para a embaixada brasileira mexicana, à do Panamá e ao escritório do Itamaraty no Rio.
O problema de Siciliano, contudo, não se resumiu a uma viagem frustrada para Cancún em 2019. Agora, a Pública apurou que a situação se conecta a outra história mais recente, que ganhou os noticiários e que envolve o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid. Para resolver o problema do visto de viagem, Siciliano teria falsificado dados de vacina para o ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
Segundo um inquérito da Polícia Federal, Siciliano teria participado de um esquema com Mauro Cid para uma troca de favores.
Devido às investigações, a PF cumpriu um mandado de busca na casa de Siciliano no dia 3 de maio deste ano.
A Pública procurou Siciliano e o Diretório do Partido Progressistas no Rio de Janeiro, que não responderam até a publicação. A reportagem já havia questionado o Itamaraty sobre a situação no México, mas o ministério também não respondeu.
Uma mão lava a outra; juntas, combinam falsificar documentos
Segundo a investigação da Polícia Federal, Mauro Cid teria falsificado o cartão de vacina da sua esposa, Gabriela Cid, em novembro de 2021. O cartão fake foi emitido em nome da Secretaria de Estado de Saúde do Governo de Goiás. A polícia encontrou a assinatura e um carimbo do médico Farley Vinicius Alencar de Alcântara, sobrinho do sargento Luis Marcos dos Reis.
O problema: o militar não teria conseguido inserir os dados no sistema Conecte SUS, do Ministério da Saúde. Eles tentaram então fazer essa inserção via Secretaria do Rio de Janeiro, usando dados da Secretaria de Saúde do Município de Duque de Caxias. É aí que Siciliano entra na jogada.
O nome aparece por meio de outro político do Rio de Janeiro, o capitão reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros, que foi acionado por Cid. Em conversa com Cid, Barros diz que Siciliano ajudou a inserir os dados falsos de vacinação, conforme a apuração policial.
“Quem é esse garoto? Esse garoto, Marcello Siciliano, era um vereador do Rio de Janeiro e que foi acusado de ser o mandante da morte da Marielle”, consta no inquérito. “[…]Nessa época a polícia pediu a suspensão do visto dele. Para ele não sair enquanto estava sendo investigado, mas não tem nada, não foi indiciado, não foi nada, e ele quer conversar com o cônsul justamente sobre isso”, diz adiante na transcrição policial.
Em outro trecho, Barros se refere ao “amigo”, explicando que ele teve um problema com a embaixada. “Quem resolveu? Este último amigo que eu te fiz o pedido dele aí para a embaixada, ele resolveu. Agora. Já me deu retorno; 100% de baixa. Resolvido, manda pra mim a foto da identidade dela, a frente verso e o CPF”, consta.
Em troca, Cid deveria arranjar um encontro de Siciliano com o cônsul dos Estados Unidos no Brasil. Em determinado ponto da conversa, Barros chega a afirmar que saberia quem seria o responsável pelo assassinato de Marielle. “Eu sei dessa história da Marielle, toda irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí”, diz.
Cid ficou detido desde 3 de maio no Batalhão da Polícia do Exército de Brasília. Foi solto nesta semana após fechar um acordo de delação premiada. A decisão que concedeu liberdade provisória ao militar e homologou a delação premiada foi do ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Além dessa investigação, na qual Cid faria parte de um esquema que teria alterado os certificados de vacinação dele, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e da família de ambos, o militar é suspeito de mais irregularidades e esquemas criminosos que estão sendo investigados pela PF. São eles: o caso da venda ilegal de joias da Presidência; de trama golpista com integrantes do Exército; de fake news sobre vacinação; e de ter ajudado Bolsonaro a compor o discurso que o ex-presidente fez em uma reunião com embaixadores, na qual ele atacou as urnas eletrônicas e colocou em dúvida a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro.
Já Ailton Barros foi preso preventivamente na Operação Venire da Polícia Federal. Antes de ser preso, o capitão reformado do Exército já havia sido investigado por suposto acordo com narcotraficantes e expulso do Exército após uma série de punições disciplinares, que incluíam tentativa de abuso sexual de civis em acampamentos militares, mentiras em depoimentos e humilhação de colegas de menor patente.
O nome de Siciliano, ex-vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Humanista da Solidariedade (PHS) e suplente de deputado federal nas últimas eleições pelo Progressistas, apareceu associado à morte de Marielle em 2018, ano do assassinato da ex-vereadora.
Na época, uma testemunha afirmou às polícias Federal e Civil que o político teria combinado a morte de Marielle junto ao ex-policial militar Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando Curicica, que é acusado de chefiar uma milícia em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. No ano passado, Curicica foi condenado a 25 anos de prisão por ordenar o assassinato de Carlos Alexandre Pereira Maria, o cabeça, líder comunitário da região.
Ainda em 2018, quando a polícia Civil e o Ministério Público do Rio cumpriram mandado de busca e apreensão na casa de Siciliano, o político rebateu as acusações: “Continuo indignado com essa acusação maligna que fizeram a meu respeito. […] Quero que isso se resolva, minha família está sofrendo, tenho certeza que a família da Marielle não merece isso, merece a verdade. A verdade tem que vir à tona”, alegou.
Depois, foi revelado que a denúncia partiu de Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, sargento da PM do Rio. Ele foi preso em 2019 acusado de obstruir as investigações do assassinato de Marielle.
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