sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

KWAI PAGOU POR FAKE NEWS, CLONOU CONTAS E IMPULSIONOU PRESIDENCIÁVEIS NO BRASIL

 


  imagem:reprodução

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m uma manhã de junho de 2022 os executivos brasileiros do Kwai, uma rede social de vídeos curtos, chegaram à sede da empresa em São Paulo para a primeira tarefa do dia: discutir os relatórios enviados durante a madrugada pela matriz, situada em Pequim, onze horas à frente do horário brasileiro. Naquele dia, o relatório de seis páginas, escrito em inglês e mandarim, trazia um título quase burocrático: “Riscos com os KwaiCuts e a eleição brasileira de 2022.” Mas o assunto era delicado e vinha sendo tratado em sigilo. Sua leitura mostrava o lado obscuro da rede social no Brasil.

KwaiCuts, ou cortes do Kwai, é o nome interno que designa todo material que a rede social encomenda a agências de conteúdo. Na guerra para aumentar sua audiência, o Kwai compra delas conteúdos capazes de despertar interesse e aumentar o tempo de permanência do usuário na rede. Às vezes, o Kwai diz às agências o que quer. Em 29 de dezembro de 2022, por exemplo, encomendou vídeos sobre Pelé, que acabara de morrer. Na maioria das vezes, porém, o Kwai não especifica nada, simplesmente quer conteúdo viralizante – mesmo que seja falso e mentiroso.

O relatório daquela manhã trazia uma mostra dos conteúdos produzidos pelas agências nas duas semanas anteriores e apontava 26 vídeos “problemáticos”, todos sobre a eleição presidencial que se aproximava. Os vídeos correspondiam a 22% de tudo que fora publicado como KwaiCuts na rede sobre política. O documento não detalhava o conteúdo dos vídeos. Dizia, genericamente, que continham “desinformação política”.

Uma série de medidas enérgicas para barrar posts com mentiras poderia ser tomada, mas o próprio relatório expunha a dúvida: a empresa deveria excluir os vídeos da rede e, assim, evitar penalidades e eventuais multas de autoridades brasileiras? Ou deveria ignorar deliberadamente as falsidades e, assim, aproveitar o potencial dos conteúdos para atrair mais e mais audiência?

Os executivos sabiam o que estava em jogo e tinham clareza sobre a conduta irregular que a rede vinha adotando. Um trecho do relatório, ao qual a piauí teve acesso, deixa isso evidente: “Se descobrirem que as contas KC [KwaiCuts] têm relação com a empresa, isso pode impactar severamente nossa operação no Brasil.” Em outra parte, o documento alertava que “a imprensa brasileira está fazendo mais investigações sobre aplicativos de redes sociais que espalham desinformação”.

O relatório listava cinco possíveis estratégias, que iam desde interromper a produção de “KwaiCuts sobre política até a eleição” até “manter o status quo”, o que incluía – dizia o documento – “tolerar todos os riscos”, lidar “com a cobertura negativa da imprensa” e analisar “os processos caso a caso”. A solução adotada não foi única, nem uniforme. Em alguns casos, os conteúdos foram banidos. Em grande parte deles, porém, a desinformação seguiu correndo solta na rede, sem embaraços. 

Na piauí de janeiro (assinantes podem ler o texto integral aqui), o repórter Pedro Pannunzio relata as irregularidades cometidas pela plataforma no caminho para se tornar em poucos anos um gigante no Brasil, com 48 milhões de usuários, o dobro do X (ex-Twitter), em especial das classes C e D, do Norte e do Nordeste.

A assessoria de imprensa do Kwai diz que a plataforma zela pelo bom conteúdo, que “utiliza mecanismos de segurança que atuam 24 horas por dia” e conta com “canais de denúncia nos quais os usuários podem relatar comportamentos impróprios dentro do app”. As entrevistas e os documentos obtidos pela piauí apontam para uma política deliberada de estímulo a irregularidades em busca de audiência. 

Fonte: Pedro Pannunzio, de São Paulo/ Revista Piauí - 05/01/2023 19h:07

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