O fundador da igreja - Edir Macedo - foto:reprodução
A Universal, de acordo com Carlos, obrigou os religiosos a fornecer também suas senhas bancárias, para que membros da igreja vasculhassem as movimentações financeiras de cada um deles.
As mulheres permaneceram “trancafiadas” numa sala, ele contou, enquanto “seus esposos pastores se submetiam a uma longa reunião de persuasão para que compartilhassem seus extratos bancários, vez que os celulares já são automaticamente violados por um programa estrangeiro”.
Na ação judicial, Carlos pediu indenização por danos morais e materiais, e alega que foi obrigado pela igreja a realizar cirurgia de vasectomia aos 20 anos de idade. Mas perdeu em primeira instância – recorrerá agora ao Tribunal Regional do Trabalho.
Procurado pelo Intercept, Carlos preferiu não falar porque o processo ainda corre na justiça. A Igreja Universal do Reino de Deus também não respondeu aos questionamentos do Intercept.
Venda de boletos para cumprir metas de arrecadação
Segundo a denúncia do ex-pastor, a Universal quebrou os sigilos de religiosos por suspeitar, depois de investigações internas, que vários deles estariam desviando dinheiro de boletos de doações de fiéis para colegas de outros templos que não conseguiam atingir metas de arrecadação.
O bispo Renato Cardoso, hoje o segundo homem na hierarquia da igreja e sucessor de Edir Macedo, chamou o caso de “investigação” na reunião do dia 24 de maio, segundo os relatos que constam no processo. O bispo Júlio Freitas, o outro genro de Macedo, também estava na reunião.
“Foi pedido para eu acompanhar o advogado e pastor Marcelo [Marcelo Serreti Bianco] para uma sala, onde ele dizia que eu precisava abrir todas as minhas contas e dar as senhas de tudo, celular, iCloud, e que para a igreja continuar acreditando e confiando na minha pessoa eu precisava abrir tudo. Fui mostrando todas as minhas contas e não tinha nada”, o ex-pastor relatou.
“Então, ali começaram gritos, ameaças, pressões psicológicas, e eu não sabia onde estava a minha esposa. Não conseguia falar com ela. Fui proibido de sair da sala”.
Na ação, a mulher de Carlos, Luciana, diz que o bispo Renato Cardoso teria xingado e ofendido os pastores.
“Trancaram a porta e colocaram um segurança. Não podíamos ver nada, mas podíamos ouvir tudo o que se passava lá fora. Eu ouvi muitos gritos de desespero dos pastores. Renato Cardoso gritava acusando os pastores de (formar) quadrilha, ladrão, safado. Ele via a conta dos pastores e gritava falando que era mentira”, contou Luciana.
Segundo a advogada Márcia Cajaíba, defensora de ex-pastores na Justiça, os religiosos que teriam comprado boletos de colegas não desviaram o dinheiro para suas contas. Mas a igreja os puniu “como exemplo aos demais”.
O ex-pastor disse que teve que mostrar a conta bancária na qual “não havia nenhum depósito suspeito”. Porém, considerou “um abuso e totalmente errado tal procedimento, o que culminou com sua saída (da igreja)”. Segundo o processo, a igreja lhe deu três horas para desocupar o imóvel em que residia, custeado pela instituição.
‘Quanto mais arrecada, mais cresce’
As metas de arrecadação da Universal variam em cada templo, de acordo com o tamanho e localização. Ao atingi-las, os religiosos que mais se destacam obtêm recompensas, como aumento salarial ou uso de apartamentos e carros mais modernos e luxuosos, segundo relatos de ex-pastores. Quem não consegue vai para igrejas menores e em locais afastados, de acordo com denúncias de ex-pastores da Universal.
Carlos relata que cada dízimo e cada produto vendido dentro da Igreja é registrado em um sistema de gestão, o Sgiurd. Todas as informações internas são registradas ali, onde há o cadastro de cada obreiro e cada pastor.
“Eu saí da Universal justamente por não concordar com o sistema de cobranças de ofertas. É um sistema de meritocracia, quanto mais o pastor arrecada, mais ele cresce. Nunca concordei com isso e pedi meu desligamento”, afirmou ao Intercept o ex-pastor Davi Vieira, que atuou durante cinco anos na Universal. Ele é sobrinho de dois bispos da instituição e hoje mantém um canal com 129 mil seguidores no YouTube.
A denúncia de Carlos corrobora essas acusações. O ex-pastor afirma que precisava convencer os fiéis de que o fortalecimento espiritual só seria alcançado quando começassem a prosperar financeiramente e, assim, contribuir mais com a igreja.
A compra e venda de comprovantes bancários entre colegas tornou-se um meio para pastores pressionados atingirem suas metas. Quem não conseguia, comprava os boletos daqueles que já tinham ultrapassado a marca.
A igreja descobriu o esquema e demitiu cerca de 100 pastores no último ano, segundo relatos de religiosos colhidos pela advogada Márcia Cajaíba. A igreja não confirma o número de pastores suspeitos de vender boletos de doações de fiéis.
Universal fez B.O. contra pastores e inquérito foi aberto
No dia 26 de maio de 2023, o ex-pastor Yuri Augusto Rodrigues relatou aos delegados do 11º DP de Santo Amaro que, a pedido da igreja, houve o acesso ao seu telefone celular e à sua senha bancária, na reunião na Catedral João Dias. Rodrigues era pastor da Universal havia nove anos na Universal.
Quem tomou a iniciativa de procurar a delegacia foi a Igreja Universal, para registrar um boletim de ocorrência de suposta fraude praticada pelos religiosos.
Depuseram na delegacia os pastores Marcelo Serreti Bianco e Leandro Maquinez, representando a Universal, e, além de Yuri Rodrigues, os ex-pastores Alessandro Araújo Pereira, Murilo Ferreira Santos, Fabio de Oliveira Batista e Cledson de Moura Ribeiro, todos como averiguados.
Funcionário da Universal, o pastor e advogado Marcelo Bianco declarou à polícia que, desde abril de 2023, havia notado irregularidades e anormalidades financeiras. “Dízimos/ofertas de fiéis frequentes da Igreja Universal localizada na avenida João Dias, 1800, estariam sendo cadastradas como transferências bancárias para outras unidades”, afirmou.
Boletos de doações de fiéis da catedral João Dias, segundo Bianco, estariam sendo contabilizados em outros templos do bairro de Santo Amaro, e de municípios da Grande São Paulo, como Diadema e Guarulhos.
De acordo com o BO, as transferências representariam “provável fraude, com a compra e venda de comprovantes das doações para representantes das referidas unidades, com dinheiro da própria igreja, confirmando um desfalque financeiro com a suposta retirada de dinheiro em espécie e a juntada de comprovantes de transferências bancárias para possível compensação”. O inquérito segue em andamento.
Pastor teria simulado o alcance de metas a fim de conseguir autorização da igreja para se casar.
Em seu depoimento na delegacia, o ex-pastor Yuri Rodrigues negou que vendia boletos de doações. Ele confirmou que foi convocado ao templo João Dias e disse ter se prontificado a “esclarecer os fatos fornecendo acesso ao seu telefone celular através do qual informava diariamente os comprovantes de depósito via Pix e pagamentos via máquinas de cartões relativos a dízimos e ofertas”.
Rodrigues atuou como pastor no templo de Santa Júlia, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, entre julho de 2022 e maio de 2023. Um mês antes, tinha sido transferido para Valo Velho, bairro no extremo sul de São Paulo.
Questionado pela polícia sobre depósitos via Pix acima da média no templo de Itapecerica, ele se limitou a dizer que a média mensal de arrecadação do templo era de R$ 40 mil Afirmou, também, que recebia salário fixo e que o aumento ou diminuição de sua arrecadação não interferia na renda mensal.
A Polícia Civil abriu um inquérito a pedido da Igreja Universal para investigar se a instituição foi alvo de estelionato praticado pelos pastores. Nesse inquérito, foram incluídos ainda os ex-pastores Rocivaldo Caetano da Silva, Jeferson da Silva Barros, Valdeir Mateus Domingos Vinicius dos Santos Diniz.
O Intercept teve acesso a trechos e documentos do inquérito, no qual constam informações atribuídas à igreja de que Yuri Rodrigues recebeu boletos no total de R$ 63.192,95, “com um falso crescimento de R$ 27.499,33”.
E a observação: “Quando retiramos a entrada de boletos ‘fake”, na verdade não houve crescimento, mas queda de R$ 35.693,62”. Boletos no total de R$ 27,4 mil, então, seriam oriundos de outros templos e não do qual Rodrigues atuava.
O pastor, ainda de acordo com informações do inquérito, teria simulado o alcance de metas a fim de conseguir autorização da igreja para se casar. Ele obteve essa permissão no dia 30 de outubro de 2002.
De 16 de outubro de 2022 até o seu último dia solteiro, a igreja em Itapecerica recebeu quase R$ 60 mil em pagamentos de 42 boletos. Depois que ele se casou, a arrecadação não chegou a R$ 5 mil, com apenas quatro pagamentos.
Outras denúncias de quebra de sigilo
Denúncias de supostas quebras de sigilo de pastores pela Universal já foram feitas pelo Intercept em 2021. À época, três ex-pastores afirmaram que seus sigilos bancários foram quebrados ilegalmente e a igreja de Edir Macedo teria feito uma devassa ilegal em suas vidas para comprovar movimentações financeiras e aplicações de dinheiro em bitcoins.
Os ex-pastores dizem suspeitar que seus sigilos bancários foram quebrados com a ajuda de uma empresa de tecnologia especializada em mineração de dados e elaboração de dossiês sobre pessoas e empresas, com informações extraídas de diversos bancos de dados.
Isso porque ela está, segundo um denunciante, entre as empresas que buscaram por suas informações pessoais no Serasa no período em que ele teria sido investigado.
Em maio, um pastor ainda em atividade na Universal, que pediu para ser mantido no anonimato, disse ao Intercept que a igreja o teria obrigado a assinar um documento autorizando o banco a fornecer os seus extratos bancários à igreja.
Afirmou que essa imposição teria sido estendida aos demais pastores e quem não concordasse seria demitido. Os pastores, segundo ele, não vinham a público para fazer a denúncia por medo de perder o emprego.
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