O brutal assassinato do soldador João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, espancado e asfixiado por dois seguranças brancos em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, fez com que o debate sobre racismo tomasse conta da pauta nacional e se inserisse na curta campanha do segundo turno das eleições, que ocorre no próximo domingo. Para analistas políticos, o crime pode ter um efeito nas urnas, sobretudo em favor dos candidatos de esquerda, que têm o debate sobre igualdade racial como ponto programático.
A morte de Beto pode ter um efeito, ainda que em menor escala, semelhante ao caso de George Floyd, cujo assassinato por asfixia por dois policiais brancos foi decisivo para a mobilização do movimento antirracista nos Estados Unidos e ajudou a eleger o democrata Joe Biden –– sobretudo porque o presidente Donald Trump, em momento algum, se manifestou contrariamente à atitude agressiva dos dois agentes.
Reflexo nos jovens
Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que as pautas identitárias, ligadas a direitos das mulheres, dos grupos LGBTQIA+ e de movimentos negros, foram muito incorporadas à política brasileira, especialmente nas eleições municipais. “Não tenho dúvida de que (a morte de João Alberto) tem um grande efeito (no segundo turno)”, salienta, ressaltando não ser possível fazer uma projeção exata dos efeitos nas urnas ou de mudanças de cenários que podem resultar do caso.
Coordenador do núcleo de estudos sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio afirma que já foi possível perceber o aumento de destaque das pautas identitárias no primeiro turno, e que a questão tende a pautar o sistema político. Para ele, os candidatos que ignorarem o assunto correm o risco de serem rejeitados por setores da sociedade.
“Aqueles que, consultados sobre a questão tiverem discursos negacionistas, tendem a ter uma reação desses segmentos que não aceitam mais essa postura”, disse, acrescentando que legendas de centro, centro-direita não serão “ponta de lança” no debate antirracismo –– que continuará a ser pautado pelas de centro-esquerda.
Impacto nos indecisos
Professora e coordenadora do programa Diversidade da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, Lígia Fabris afirma que o episódio pode mudar cenários quando se pensa em especial nos indecisos. Para ela, aqueles que não decidiram o voto, mas se sensibilizam com o debate sobre racismo e o assassinato de Beto, podem decidir seus votos com base nas melhores propostas para as questões igualitárias.
“Isso pode levar os indecisos a decidirem por aqueles prefeitos que se colocam de maneira mais contundente, firme, e que consigam articular essa injustiça como uma transformação que o seu governo vislumbra”, afirmou.
Cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernanda Barros ressalta que pode ser que os partidos de centro adequem suas falas “com mesclas discursivas de adesão e mitigação da agenda racial”. “Apresentarão sensibilidade em torno dos protestos negros, porém sem grandes ações políticas que modifiquem as assimetrias sociais entre negros e brancos. Os de centro-direita também poderão se aproximar da questão racial a partir do uso simbólico da imagem de políticos negros, com a retórica de meritocracia e Estado cego à cor e seus efeitos”, afirmou.
Fonte: Correio Braziliense/reprodução - 23/11/2020 09h:20min.
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