O barbeiro Davi Oliveira tinha 23 anos quando foi assassinado no último domingo, no município de São Félix, no Recôncavo. O empacotador Vitor Santos Ferreira de Jesus tinha 25 anos quando foi morto no bairro de Pirajá, em Salvador, em junho. São casos distantes no tempo e no espaço, e não teriam muito em comum não fosse o fato das vítimas serem negras e terem perdido a vida durante operações policias. Uma infeliz coincidência, diriam alguns, uma coincidência que corre em 97% dos casos na Bahia, afirmam pesquisadores.
Um relatório elaborado pela Rede de Observatórios da Violência, divulgado nesta quarta-feira (9), apresenta dados sobre mortes ocorridas durante operações policiais em cinco estados brasileiros. Rio de Janeiro lidera em número absoluto de mortes, mas quando se observa a proporção de negros assassinados nessas ações é a Bahia quem lidera do ranking.
Foram 650 casos entre janeiro e dezembro de 2019, com 474 vítimas negras. O número pode ser maior já que em 161 situações a cor da vítima não foi informada. Brancos somam 15 ocorrências ou 3% do total.
O que se espera é que inocentes não sejam mortos em nenhuma situação, independentemente da cor, e que os suspeitos sejam presos e levados a julgamento. Mas então, por que existe essa diferença entre negros e brancos?
A questão é a proporcionalidade, diriam outras pessoas. Afinal, a população de pretos e pardos na Bahia é maior que as do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Ceará, onde o estudo também foi realizado, mas não é bem assim. A pesquisa mostra que o número de baianos que se autodeclaram dessa raça é de 76%, então, os estudiosos se debruçaram sobre o motivo para essa diferença de 21% no número de mortes.
Para os pesquisadores que elaboraram o relatório, as operações são realizadas em áreas precisas da cidade e voltadas para uma população específica. Além disso, a política de segurança pública atual, e questões como desigualdade social, problemas de acesso à educação e à saúde corroboram com o cenário, e esse caldeirão resulta no principal fator dessa discrepância: o racismo. A integrante da Rede de Observatórios da Bahia e pesquisadora da ONG Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, Luciene Santana, é quem explica.“Quando analisamos os dados percebemos que tanto no imaginário das pessoas como o que vemos recorrentemente na mídia é que pessoas negras são as que mais morrem em operações policiais. Por isso, o nome do nosso relatório é ‘A cor da violência policial: a bala não erra o alvo’, porque ela atinge majoritariamente pessoas negras. Pensando nessa estrutura do racismo, quem ão essas pessoas e esses territórios que são passíveis de serem mortos e violentados?
A Bahia, proporcionalmente, é o estado que mais mata negros em operações policiais”, afirmou.
Dificuldades na pesquisa
Os dados que serviram de base para a elaboração do relatório foram fornecidos pelas Secretarias eSegurança Pública dos estados, com exceção da Bahia. Algumas pastas entregaram informações arciais e que foram complementadas pelos pesquisadores. A Bahia foi a única que não forneceu nenhum dado. Luciene contou que usou informações repassadas por organizações parceiras da rede, porque os pedidos feitos diretamente ao governo, via Lei de Acesso à Informação, não foram atendidos.“Houve uma dificuldade muito grande em obter esses dados, inclusive o que mais nos assusta em relação à Bahia é que a gente não consegue ter essas respostas”, disse. “Nós entendemos que é através dos dados da segurança pública que a gente analisa onde podemos melhorar, a parir do conhecimento desses dados estatísticos. Então, se o governo não quer divulgar sses dados nós temos dificuldade em conhecer a realidade dos estados”, afirmou.
A Rede de Observatórios da Segurança é a única iniciativa que monitora operações policiais. O companhamento é feito desde 2018, no Rio de Janeiro, e de junho de 2019, nos cinco estados que formam o grupo. Há dois dias, o CORREIO mostrou que o mês de novembro foi o mais violento 2020, com 127 homicídios registrados pela SSP.
Contexto
Para o doutor em Sociologia e pesquisador da Rede e do Laboratório de Estudos da Violência da niversidade Federal do Ceará (LEV/UFC), Ricardo Moura, existem falhas na política de segurança ública adotada pelos estados. Ele destacou a necessidade de se rever procedimentos e práticas, efrisou que é importante discutir o assunto.“A gente precisa denunciar e colocar essa pauta [em iscussão]. A gente não pode permanecer naturalizando isso, então, o trabalho da Rede é muito mportante nesse sentido, porque ele coloca essa questão em pauta, levanta esse questionamento”,disse.Ele contou que a atuação policial acontece dentro de um contexto que otencializa a morte da população negra, e que esses fatores precisam ser considerados. No Ceará,negros e partos são 66,9% da população, mas representam 87% dos mortos.“Essa atuação a polícia ocorre em meio a uma série de lacunas. As áreas onde essas intervenções se dão são ustamente as áreas nas quais os serviços são mais precários, então, a presença do Estado não orre dentro de uma esfera de promoção de saúde, de prevenção, de educação, de assistência ocial, mas ela ocorre sob a mão pesada da polícia. Isso é muito característico da nossa sociedade, xcludente e desigual”, afirmou.Moura contou que quando se fala em segurança, geralmente, é ntendido apenas como necessidade de mais repressão. “Há um termo do IBGE chamado ssentamentos precários que são justamente as áreas onde os serviços são mais insuficientes, equando você faz uma sobreposição dos locais de mortes por intervenção você percebe que elescoincidem exatamente com os mapas dos assentamentos precários”, contou.
Procurada, a SSP se posicionou através de nota. Confira na íntegra:A Secretaria da Segurança Pública ressalta que as ações policiais são realizadas após evantamentos de inteligência e observação da mancha criminal. A SSP destaca ainda que todos asos que resultam em mortes são apurados pela Corregedoria e, existindo indício de ausência de onfronto, os policiais são afastados, investigados e punidos, caso se comprove a atuação delituosa. A Rede é um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), com poio da Fundação Ford, formada por cinco observatórios locais, mantidos em parceria com as rganizações: Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD); Gabinete de AssessoriaJurídica às Organizações Populares (Gajop); Laboratório de Estudos da Violência LEV/UFC); O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.
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