Documentos internos do Ministério da Educação obtidos pela coluna revelam que o governo dava a pastores acusados de corrupção o mesmo tratamento dispensado a autoridades da pasta. São cronogramas montados pelo cerimonial do gabinete do então ministro Milton Ribeiro para organizar agendas pelo Brasil com prefeitos que buscavam recursos junto ao MEC, entre abril de 2021 e março de 2022.
Como se tratava de um material para consumo interno, sem objetivo de divulgação, os eventos eram detalhados com informações não repassadas ao público. No site oficial do governo, que pode ser acessado por todos, essas viagens de Ribeiro aparecem sem qualquer referência à dupla de religiosos Gilmar Santos e Arilton Moura, que chegaram a ser presos com Milton Ribeiro em junho.
Recentemente, um áudio onde Milton Ribeiro afirma priorizar repasses da Educação a determinadas prefeituras a pedidos do presidente Bolsonaro ganhou o noticiário. Apesar de, logo em seguida, negar a existência de irregularidades, bem como o envolvimento de Bolsonaro, Ribeiro passou a ser objeto de pedidos de investigaçãoReprodução/Instagram
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, afirma Ribeiro em conversa gravada. “A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, declarou o ex-ministro Isac Nóbrega/PR
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O áudio, na verdade, revela a existência de um suposto gabinete paralelo que interferiu, por muito tempo, na liberação de verbas pelo Ministério da Educação (MEC) para determinados municípiosMarcelo Camargo/Agência Brasil
No meio do suposto esquema de propina estão os pastores Gilmar Santos, Arilton Moura e o agora ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. De acordo com a denúncia, Santos e Moura, que não têm cargos públicos, controlavam a agenda de Ribeiro e atendiam às demandas de prefeituras que pagavam propina para conseguir a liberação de recursosRafaela Felicciano/Metrópoles
A manobra ocorria da seguinte forma: os pastores participavam de agendas da pasta acompanhados de dezenas de prefeitos e exigiam pagamentos entre R$ 15 a 40 mil para liberar o repasse de verbas. Vários municípios cujos prefeitos participavam das reuniões, conseguiam as verbas semanas depoisInstagram
No fim de março, dias após a mídia noticiar o suposto esquema, Gilberto Braga (PSDB), prefeito de Luís Domingue (MA), afirmou que Moura cobrou R$ 15 mil, mais um quilo de ouro, para dar andamento às demandas da prefeituraIgo Estrela/Metrópoles
Pouco tempo depois, outras denúncias começaram a surgir. Dessa vez, o prefeito de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro, revelou que Arilton Moura pediu R$ 15 mil, além de compras de Bíblias, para “ajudar na construção da igreja”Pixabay
O prefeito de Bonfinópolis, revelou ainda que os envolvidos chegaram a oferecer abatimento de 50% na propina para liberação de verbas para escolas. Segundo ele, os valores eram fixados de acordo com o grau de proximidade. Caso fossem “conhecidos” de alguns dos pastores, o valor da propina era apresentado “com desconto”Reprodução/Instagram
Segundo José Manoel de Souza, prefeito de Boa Esperança do Sul (SP), ele foi até o MEC, em janeiro de 2021, para protocolar um pedido de recurso destinado a uma escola e para instaurar um sistema de ônibus escolar. Na ocasião, o pastor Arilton informou que resolveria a questão se Souza enviasse uma quantia x para a conta dele Rafaela Felicciano/Metrópoles
“Se você quiser, eu passo um papel agora, ligo para uma pessoa e as escolas profissionalizantes vão chegar ao seu município. Mas, em contrapartida, você precisa depositar R$ 40 mil para ajudar a igreja. Uma mão lava a outra, né?”, contou o prefeito de boa Esperança do SulRafaela Felicciano/Metrópoles
Agora, a Comissão de Educação do Senado Federal ouviu prefeitos que testemunharam o suposto esquema de favorecimento e o presidente do colegiado, Marcelo Castro (MDB-PI), pediu cautela antes de defender que seja instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)Geraldo Magela/Agência Senado
Segundo Castro, a comissão quer “cumprir algumas etapas” antes de proceder com a defesa de uma CPI para apurar os episódios envolvendo a pastaGeraldo Magela/Agência Senado
Entre elas, estão a realização de oitivas com o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, além do ministro-interino da Educação, Victor Godoy Veiga, Milton Ribeiro, e dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, acusados de atuarem como lobistas no ministérioEdilson Rodrigues/Agência Senado
Segundo o jornal O Globo, os pastores perceberam as portas do Executivo abertas muito antes de Ribeiro assumir o MEC. Eles, na verdade, se envolveram com o governo Bolsonaro graças ao deputado João Campos (Republicanos), que é pastor da Assembleia de Deus. A partir disso, se aproximaram do atual presidente e conquistaram espaçoReprodução
Recentemente, um áudio onde Milton Ribeiro afirma priorizar repasses da Educação a determinadas prefeituras a pedidos do presidente Bolsonaro ganhou o noticiário. Apesar de, logo em seguida, negar a existência de irregularidades, bem como o envolvimento de Bolsonaro, Ribeiro passou a ser objeto de pedidos de investigaçãoReprodução/Instagram
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Nas programações feitas pelo gabinete do então ministro, porém, a dupla tinha espaço reservado para discursar em eventos com prefeitos e até mesmo para integrar uma “mesa diretora”, composta por Milton Ribeiro e, na maioria das vezes, pelo presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte.
Arilton e Gilmar são acusados de cobrar propina para liberar recursos, e o governo vinha afirmando que os pastores nunca exerceram posição institucional junto ao ministério — o que é desmentido por esses documentos.
À época que o escândalo estourou, Ribeiro, que nega as acusações, afirmou que “os atendimentos técnicos” a prefeitos eram “conduzidos por servidores da autarquia” e permitiam “esclarecimento dos procedimentos para planejamento e acesso aos recursos disponibilizados via FNDE, por meio do Plano de Ações Articuladas”.
Agora, sabe-se, nesses “atendimentos técnicos” foram reservados assentos para quadros alheios aos servidores da autarquia.
Em audiência no Senado, Marcelo Lopes da Ponte, que ainda hoje permanece à frente do FNDE, defendeu Ribeiro e disse que seus nomes foram usados por “terceiros” sem autorização.
Ao falar sobre o escândalo, Bolsonaro não entrou em detalhes e buscou minimizar o caso: “Não foi corrupção da forma que se via em governos anteriores. Foi história de fazer tráfico de influência, é comum”, disse, a despeito de o relatório da Polícia Federal apontar que Ribeiro e os demais investigados são suspeitos de praticar crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
Bolsonaro, que no início chegou a dizer que botava “a cara no fogo” por Ribeiro, recuou e passou a dizer que estava disposto apenas a “botar a mão”.
Nos registros internos do MEC, constam cinco participações de Gilmar Santos e quatro de Arilton nas viagens com o ministro.
Em 2 de julho de 2021, ambos participaram de encontro de Milton Ribeiro e do presidente do FNDE com o prefeito de Salinópolis, no Pará, e de cidades da região. O mesmo documento revela a composição da “mesa diretora”:
– Ministro do Estado da Educação, Milton Ribeiro
– Presidente da Convenção das Assembleias de Deus Cristo para Todos no Brasil, Pastor Gilmar Santos
– Prefeito do Município de Salinópolis, Carlos Alberto Sena Filho
– Presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, Marcelo Ponte – Presidente do Conselho Nacional das Assembleias de Deus Cristo para Todos no Brasil, Pastor Arilton Moura – Secretária Municipal de Educação, Marcia Beatriz Gomes da Silva
O protagonismo da dupla não parava por aí. Após a reunião, houve um espaço para falas. Quem discursou primeiro foi o pastor Arilton Moura, seguido pela secretária municipal, pelo pastor Gilmar Santos, pelo prefeito de Salinópolis e pelo presidente do FNDE.
A agenda mostra ainda que, às 19h daquele dia, havia na agenda do ministro a previsão de participação em um culto. O documento não revela se Arilton e Gilmar acompanharam Ribeiro.
Ambos também participaram de agendas no interior de São Paulo, da Bahia e do Maranhão, que reuniram, além do prefeito anfitrião de cada cidade, outras dezenas de prefeitos da região. Em agenda na Bahia em agosto do ano passado, foi destacado que haveria jantar com “prefeitos pastores”:
“18h – Culto 20h – Deslocamento para o restaurante 20h30 – Jantar com os Prefeitos Pastores.”
Procurado, o MEC não se posicionou sobre o assunto. O espaço segue aberto a manifestações.
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