terça-feira, 5 de setembro de 2023

Na Espanha: Ex-CEO da Americanas diz temer por integridade física e ataca acionistas


foto:reprodução


                                                   
Na noite de segunda-feira (4/9), tornaram-se públicas as primeiras declarações de Miguel Gutierrez, o ex-CEO da Americanas, sobre a fraude contábil de estimados R$ 20 bilhões da varejista. Gutierrez negou ter sido informado, ou mesmo, participado da falcatrua. Ele está na Espanha e disse que teme pela sua integridade física.

O ex-CEO afirmou ainda que o trio de acionistas de referência da companhia, formado por Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto (Beto) Sicupira e Marcel Telles, participava ativamente da gestão da empresa. Isso até por meio de “funcionários da LTS (a holding do grupo de controladores), que não tinham cargos formais na Americanas”. Beto Sicupira era o que mais se envolvia com o negócio, acompanhando, de acordo com Gutierrez, até as vendas diárias da varejista.

As declarações do ex-CEO foram feitas em um processo em que o Bradesco busca antecipar a produção de provas sobre o que houve na empresa. Em 13 de junho, durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara sobre a Americanas, o atual CEO da empresa, Leonardo Coelho, apontou os ex-integrantes da diretoria da empresa como responsáveis pela fraude. Gutierrez foi um dos nomes citados.

Crise pesada

No documento em resposta à petição do Bradesco, o ex-CEO também aborda a crise financeira na qual a Americanas se encontrava em 2022, com uma queima de caixa não menos que estonteante. Algo que, segundo Gutierrez, levava à “iminente necessidade de novos aportes, para assegurar as atividades da companhia em 2023”.

Ao tratar desse tema, Gutierrez também fala da chegada à empresa de Sergio Rial, o novo CEO que havia sido contratado para substituí-lo. Rial divulgou o fato relevante em 11 de janeiro, tornando público o buraco contábil da companhia.

Gutierrez diz que, em dezembro, foi informado por Rial que os “controladores não gostariam de aportar recursos e tampouco aprovariam, naquele momento, uma ampliação de capital que poderia provocar uma significativa diluição de sua participação acionaria”. Rial, acrescenta o ex-CEO da empresa, teria entrado na Americanas em maio de 2022, por meio de um “contrato sigiloso”.

A seguir, leia a íntegra do documento preparado por Gutierrez, que também enviou uma carta à CPI, narrado em primeira pessoa. Na sequência, foram incluídas notas, sobre as declarações do ex-CEO, divulgadas pelas assessorias de comunicação da Americanas, de Sergio Rial e da LTS Investments, a plataforma de investimentos das famílias Lemann, Telles e Sicupira.

Para desfazer factoides”

Através de meus advogados, tomei conhecimento de petição apresentada pelo Bradesco em processo movido contra a Americanas, no âmbito da qual foi pedido meu depoimento. Em vista do que mencionado na petição, venho espontaneamente prestar os seguintes esclarecimentos, para desfazer alguns factoides que decorrem de notícias publicadas em jornais acerca de minha pessoa e da situação da Americanas, veiculando fatos que não são verdadeiros ou que são absolutamente distorcidos.

Faço apenas a ressalva de que, desde final de dezembro de 2022, não me encontro mais vinculado à Americanas S.A., razão pela qual minha capacidade de falar sobre certos fatos é limitada. Não participei, por exemplo, da publicação do fato relevante de 11/01/2023 ou de qualquer ato preparatório a ela, relacionado à investigação de qualquer irregularidade contábil, sobre a qual apenas sei o pouco que a companhia divulgou publicamente a respeito

Negativa da acusação

Antes de mais nada, gostaria de iniciar afirmando que nunca participei, autorizei, ordenei, tolerei ou tive conhecimento de qualquer ato tendente a manipular a contabilidade da companhia. Sequer era a minha função cuidar da contabilidade e, diante das estruturas de governança e controle existentes na estrutura da Americanas S.A., bem como da extinta Lojas Americanas S.A., nem teria como ter essa ingerência. Refuto veementemente, assim, qualquer acusação de fraude contra minha pessoa e me reservo ao direito de buscar as reparações cabíveis, em todas as esferas, contra aqueles que a deduzem.

Temor pela integridade física

Dito isso, confirmo que me encontro fora do país, mas, ao contrário do que diz a petição do Bradesco, sem qualquer intuito de “fuga”. Confirmo, nesse sentido, o que foi relatado para a CPI da Americanas, sobre o fato de que, durante uma viagem à França a passeio, fui acometido por uma complicação renal e, nesse momento, me encontro em tratamento médico na Espanha, com proibição de realizar viagens de avião, o que inviabiliza minha ida a qualquer depoimento presencial que porventura seja designado neste momento no Brasil.

Estou sendo seguido”

Confirmo, também, a informação mencionada na petição, de que estou sendo seguido por pessoas desconhecidas, o que já vinha acontecendo no Brasil, mas que se tornou fato ininterrupto nas últimas semanas, coincidentemente após eu me manifestar perante a CPI da Americanas, colocando-me à disposição para depor e esclarecendo que não pretendia fazer uso do silêncio, como fizeram outros ex-diretores. Efetivamente temo pela minha integridade e, por isso, recorri às autoridades policiais espanholas, que estão investigando cuidadosamente o caso.

Papel na Americanas

Passando adiante, penso que é preciso esclarecer, inicialmente, quais foram meus cargos e qual foi o meu papel nas companhias das quais fui diretor (Lojas Americanas S.A., também conhecida como “LASA”, e Americanas S.A., companhia resultante da combinação da LASA com a B2W), para demover a afirmação de que, em função de meu cargo [sic.] e do tempo nele [sic.] permanecido, eu certamente teria condições de esclarecer a suposta “fraude” verificada nas contas da companhia. Como se verá, não exerci o mesmo cargo, sendo certo que meu papel nas empresas em questão mudou muito ao longo do tempo, especialmente nos últimos anos.

Sobre isso, é preciso lembrar que a empresa Americanas S.A. nasceu apenas em junho de 2021, como resultado da combinação de LASA (lojas físicas) e B2W (vendas digitais). Até 2021, as duas companhias correspondiam a estruturas societárias totalmente diferentes, que, por decisão de seus controladores, haviam iniciado um processo de integração administrativa em 2018 (com a criação do chamado “Universo Americanas”), mas ainda sem a união das pessoas jurídicas correspondentes.

Mudanças com a reestruturação

Fui Diretor-Superintendente da LASA de 2001 a 2020. Essa estruturação envolveu a criação de diversos cargos de diretoria, incluindo diretorias responsáveis por cada uma das divisões de negócios do grupo (plataforma de lojas físicas, plataforma digital, AME e LETS), cada qual com bastante autonomia e interação direta com o conselho de administração e respectivos comitês de assessoramento. Todas essas diretorias foram criadas dentro da estrutura da LASA, embora a B2W continuasse sendo uma pessoa jurídica própria, com operação própria, na qual eu, da minha posição, não me imiscuía.

Com a reestruturação de 2018, portanto, meu papel deixou de ser o de um CEO tradicional (que comanda diretamente os responsáveis pelas áreas gerenciais) e passou a ser o de um diretor responsável por questões mais estratégicas e de coordenação geral dos negócios. Apenas para dar um exemplo que certamente os bancos poderão confirmar, eu não participava da negociação ou da gestão de contratos e do relacionamento comercial com instituições financeiras, por exemplo.

Comunicado do desligamento

Em 2019, o Sr. Carlos Alberto Sicupira comunica sua decisão pelo meu desligamento completo da empresa a partir de final de 2021, atribuindo a mim a missão de trabalhar na minha sucessão, mediante identificação e treinamento de um novo CEO – competência que passou a constar dentre as métricas para definição de meu bônus como executivo a partir de então. A pandemia do coronavírus atrasou em um ano a minha saída.

CEO dos CEOs”

Nessa esteira, em 2020, a designação do meu cargo foi alterada para Diretor-Presidente, mantida a estrutura de diretores próprios responsáveis por cada uma das plataformas de negócios. Em 2021, como adiantado, a LASA foi incorporada pela B2W, que posteriormente alterou sua denominação para Americanas S.A.

Da Americanas, ainda no processo de sucessão, fui Diretor-Presidente desde a incorporação, em junho de 2021, até dezembro de 2022. Essa companhia também contava com CEOs responsáveis por cada uma de suas linhas de negócio (plataforma de lojas físicas, plataforma digital e AME), cada um com autonomia em relação aos respectivos domínios.

Assim, de forma coerente com o meu papel assumido após 2018 e com a decisão pela minha saída a partir de final de 2021, as minhas funções continuaram sendo as de “CEO de CEOs”, muito diversas das de um CEO tradicional e, naturalmente, com menor grau de interação com as áreas mais técnicas e operacionais.

Do problema contábil

Todas as empresas, LASA e B2W / Americanas, antes e depois da fusão, contaram com estruturas corporativas especializadas. Durante meus mandatos em qualquer das companhias, jamais me foi relatado nenhum problema contábil. Obviamente, não compete a um CEO de nenhuma companhia no mundo a realização de sua escrituração contábil. Por isso mesmo, LASA e Americanas S.A., companhias das quais exerci os cargos de Diretor-Presidente e Diretor-Superintendente, sempre contaram com áreas especializadas na seara contábil e órgãos ligados responsáveis por gerir os riscos associados às demonstrações financeiras, conforme será detalhado mais abaixo.

Crise 

É preciso separar, porém, um suposto problema contábil de um problema financeiro. Era de meu conhecimento, sim, assim como o de toda administração (incluindo o conselho), que a Americanas tinha um problema financeiro – e é sobre isso que faz referência a notícia envolvendo a participação do Sergio Rial em uma reunião para tratar do tema, em dezembro de 2022, da qual eu não participei. De fato, no último semestre de 2022, meu último na companhia, ela visivelmente se encontrava em uma situação financeira que a levaria, em poucos meses, a provavelmente não ter mais condições de cumprir suas obrigações na estratégia pretendida e orçada.

Queimando caixa

A partir dos números de julho de 2022, verificou-se que o consumo de caixa aumentava vertiginosamente, o que, aliado à alta dos juros, entre outros fatores, começava a revelarr a necessidade de uma capitalização , para garantir a sua continuidade operacional. Esse era um problema que se tornou do conhecimento de todos, independentemente de qualquer falha na contabilidade (que, àquela época, pelo menos por mim, não era conhecida e, perante mim, não era discutida). Que fique claro, então: eu não sabia que, além do problema financeiro acima relatado, havia transações não adequadamente refletidas nas demonstrações financeiras da Americanas. Cabe observar mais uma vez que não era minha função fazer a contabilidade ou dizer como determinada transação deveria ser contabilizada. Além disso, membros do conselho de administração e pessoas ligadas aos acionistas controladores participavam, a todo tempo, dos controles financeiros e contábeis.

Queimando mais caixa

Para se ter uma ideia da rapidez do consumo de caixa, no segundo trimestre de 2021, pouco após a fusão, quando a empresa ainda estava capitalizada em função do follow on de cerca de R$ 8,2 bilhões realizado em 2020, ela não possuía dívida líquida: o caixa superava a dívida em R$ 3,5 bilhões. Apenas um ano depois, no fim do terceiro trimestre de 2022, a dívida líquida já era de quase -R$ 5,3 bilhões, a maior dívida líquida histórica da companhia. Em 15 meses após a combinação de negócios ocorrida em julho de 2021, o consumo de caixa foi de R$ 8,7 bilhões e em 18 meses alcançou a cifra de R$ 14,1 bilhões. Tudo isso era conhecido por todos na companhia, ainda antes de se saber de qualquer possível problema contábil (que a mim, durante meu mandato, repito, não me foi reportado); o que havia, repita-se, era um problema financeiro.

Necessidade de aportes

Desde a realização do follow on de 2020 até setembro de 2022, já se havia gastado muito mais do que os R$ 8 bilhões captados naquela altura, em decorrência de pré-pagamento de dívidas (na ordem de R$ 1,64 bi), aquisições de empresas (R$ 3,27 bi), expansão e investimentos (R$ 4,23 bi), recompra de ações (R$ 875 mi) e variação da relação estoque/fornecedor (R$ 3 bi). Salvo o último item, todos os demais decorreram de decisões estratégicas tomadas pelo conselho de administração. Todos esses indicadores não deixavam dúvida, então, sobre a iminente necessidade de novos aportes, para assegurar as atividades da companhia em 2023.

Situação financeira piorou

No fechamento do terceiro trimestre, essa necessidade se confirmou e se acentuou, para patamar, no mínimo, similar ao que havia sido captado em 2020 (R$ 8 bilhões). Esse patamar decorria de uma estimativa considerando a dívida líquida apurada ao fim do terceiro trimestre de 2022 (-R$ 5,3 bi) e as estimativas para os meses seguintes. Nos meses de outubro em diante, a situação se acentuou de forma ainda mais grave, fazendo com que o consumo de caixa mensal superasse R$ 2 bilhões tanto em novembro como em dezembro de 2022, fruto da forte queda de vendas (que era acompanhada diariamente por membros do conselho de administração).

Sangria do valor de mercado

Note-se que, em fevereiro de 2021, LASA e B2W valiam em conjunto quase R$ 63 bilhões em valor de mercado; em junho de 2021 (post combinação), haviam perdido 14% do market cap (menos R$ 9 bilhões, com um valor total de R$ 54 bilhões); em dezembro de 2021, acumulavam uma perda histórica de 56%, situando-se em R$ 27,8 bilhões. No ano de 2022, esse processo se acentuou ainda mais e a companhia fecha o ano com R$ 8,8 milhões de market cap, o que representa uma perda acumulada de 86% desde a combinação de negócios. Ou seja, menos R$ 54 bilhões em termos de market cap, valor substancialmente maior do que a perda ocasionada após o fato relevante de 11/01/2023 (cerca de R$ 7 bilhões). A companhia provavelmente teria acesso a investidores (sobretudo estrangeiros), mas uma capitalização no patamar de R$ 8 / 10 bilhões, 4 com uma empresa que valia R$ 8,8 bilhões, levaria a uma diluição importante dos controladores e demais acionistas, caso não acompanhassem a ampliação.

Vendas em evolução negativa

Tudo isso era do conhecimento dos acionistas controladores, do conselho de administração e do comitê financeiro, desde julho de 2022, quando os números revelam que as vendas entram em evolução negativa. Durante o segundo semestre de 2022, todos aqueles órgãos acompanhavam a evolução da situação financeira com atenção, sobretudo diante do risco de rebaixamento de rating e estouro de covenants com bancos e debenturistas. A partir de agosto de 2022, minhas comunicações com os controladores e com o conselho de administração passaram a ser feitas, quase que exclusivamente, por intermédio do Sr. Sérgio Rial e diretamente com o Sr. Eduardo Saggioro, presidente do conselho. Como se sabe, o Sr. Rial iniciou sua atuação a partir de setembro de 2022, portanto comigo ainda na companhia, com o objetivo de permitir um período de transição, para que ele se assenhorasse de todas as informações pertinentes ao exercício de suas novas funções.

Necessidade de recursos

No início de novembro de 2022, foi realizada uma reunião com o comitê financeiro, na qual se tratou amplamente sobre a situação financeira da companhia, e na qual foi colocada de forma clara a necessidade de novos recursos. O ponto também foi objeto de diversas interações entre o Sr. Paulo Lemann, membro do comitê financeiro, com o Diretor-Financeiro da companhia, Sr. Marcelo Nunes, que o último ocasionalmente reportava a mim. Em 15/12/2023, por exemplo, Paulo Lemann solicitou a Marcelo Nunes uma atualização sobre o consumo de caixa, recebendo, como resposta, que este aumentaria entre R$ 2,5 e 3,5 bilhões em dezembro – dependendo das vendas do natal – o que elevaria a dívida líquida para patamar próximo a -R$ 9 bilhões.

Nada de aportes

No mês de dezembro, Sergio Rial me informou que os controladores não gostariam de aportar recursos e tampouco aprovariam, naquele momento, uma ampliação de capital que poderia provocar uma significativa diluição de sua participação acionaria.

Tudo isso, é importante repetir, ocorreu ainda sem que se soubesse (eu, ao menos, não sabia) de qualquer “rombo” contábil. Quanto ao ponto, também é importante demover a ideia de que o Diretor-Presidente, em função de seu cargo, deve saber de tudo o que ocorria na sua companhia. Especialmente em uma companhia do porte e da complexidade da Americanas. Repito: CEO de empresa nenhuma no mundo é responsável por sua contabilidade. E eu não tenho expertise contábil.

Canal de denúncia

Reiterando que tanto LASA quanto Americanas contavam com áreas especializadas nas searas financeira e contábil. Cada uma dessas áreas se sujeitava a órgãos de controle diversos, que envolviam estruturas bem definidas às quais se somavam um canal de denúncias formalizado havia mais de 15 anos, com gestão independente à disposição não somente dos próprios empregados, mas também aberto a todos os stakeholders das empresas.

Questões financeiras, por exemplo, além da diretoria financeira e das áreas a ela subordinadas, eram tratadas pelo comitê financeiro, órgão de assessoramento ao conselho de administração e que contava com membros ligados aos acionistas controladores inclusive por vínculos familiares.

Funcionários da LTS

Além disso, funcionários da LTS (holding dos acionistas controladores) muitas vezes também participavam dessas discussões, mesmo não tendo cargos formais na Americanas ou em LASA, conforme o caso. A ingerência dos controladores da Americanas nas finanças das companhias de seu portfólio é, de mais a mais, fato notório, mencionado, inclusive, no famoso livro que conta sua trajetória empresarial. Para dar um exemplo específico referente às Americanas, as vendas da companhia eram acompanhadas diariamente pelo Sr. Carlos Alberto Sicupira e pelo Sr. Eduardo Saggioro.

Controles contábeis

Sobre controles contábeis, além de auditoria externa, a Americanas contava com áreas de controladora e auditoria interna e um comitê de auditoria, que também é órgão de assessoramento ao conselho de administração e que, dentre outras funções, deveria, nos termos da política de riscos da companhia, “avaliar e validar a revisão anual do Mapa de Riscos, bem como os planos de ação para tratamento dos riscos prioritários” (art. 8.2).

Além disso, nos termos da política de riscos, competia ao conselho de administração, entre outras coisas, “validar as diretrizes gerais para o gerenciamento de riscos da Companhia”; “aprovar a Política de Gerenciamento de Riscos e suas revisões futuras”; e “incentivar, direcionar e patrocinar o monitoramento dos riscos prioritários dentro dos Comitês de Assessoramento” (art. 8.1).

Em momento algum, temas como “risco sacado” ou “VPC” (que hoje são escoados pela atual diretoria da Americanas como supostos pilares da “fraude” que imputam aos ex-diretores) foram incluídos no Mapa de Risco, para que as demais áreas (inclusive o Diretor-Presidente) soubessem que aqueles eram temas que deveriam demandar atenção especial na rotina de acompanhamentos da companhia.

Vale observar que os membros do comitê de auditoria e do comitê financeiro, bem como os do conselho fiscal, eram indicados ou sempre validados pelo Sr. Carlos Alberto Sicupira. Além disso, cabia ao conselho de administração, também, autorizar mudanças nas políticas contábeis da companhia (art. 16, ix).

Ingerência dos acionistas

Com relação a esse ponto, acho importante demover, também, algo que foi dito pelo Sr. Sergio Rial à CPI da Americanas em seu depoimento, no sentido de que os chamados “acionistas de referência” não participariam da gestão da companhia. Isso nunca foi verdade e certamente não mudou nos 9 dias de gestão do Sr. Sergio Rial, nem nos 5 meses anteriormente, nos quais ele trabalhou intensamente como “consultor”, para se ambientar aos negócios, à cultura e às informações da companhia.

Pelo contrário, como é notório em relação às empresas controladas pelos acionistas controladores da Americanas, eles exercem enorme e constante ingerência sobre seus negócios, especialmente na área financeira, na qual são reconhecidos experts. Isso é feito, no caso da Americanas, não só por meio do conselho de administração (órgão por eles comandado) ou do comitê financeiro, órgão institucionalizado integrado por membros do conselho de administração e cuja composição, decorrente de indicação dos acionistas controladores, se mantém praticamente inalterada há 18 anos.

Mais participação da LTS

A ingerência também era exercida diretamente pela LTS. Durante o segundo semestre de 2022, inclusive, tive conhecimento de interações diretas entre o diretor-financeiro, Sr. Marcelo Nunes, com membros do comitê financeiro (inclusive com o Sr. Paulo Lemann) e com funcionários da LTS (como o Sr. Gustavo Lobo, que sequer integrava qualquer órgão da companhia à época), para tratar de questões financeiras relativas ao momento que a companhia passava. Segundo me relataram, temas como “adiantamento a fornecedores” foram tratados naquele contexto. Além disso, o Sr. Carlos Alberto Sicupira participava regularmente de reuniões que discutiam a evolução do fluxo financeiro e o caixa da companhia.

A chegada de Rial

Por fim, entendo necessário esclarecer como foi o meu processo de sucessão como Diretor-Presidente da companhia. Desde 2019, quando foi comunicada minha saída programada para fim de 2021, meu trabalho concentrou-se, a pedido do Sr. Carlos Alberto Sicupira, na identificação e no treinamento de um novo Diretor-Presidente, a ser escolhido dentre cargos internos, à época, das duas companhias (LASA e B2W).

Contrato sigiloso”

Em maio de 2022, a consultoria Spencer Stewart é contratada para realizar um processo de seleção interna do novo Diretor-Presidente. Em julho de 2022, porém, quando ainda não terminado o processo da Spencer Stewart, o Sr. Sicupira me informa que, por sua escolha, o sucessor seria o Sr. Sergio Rial. Não participei daquela decisão e tampouco me pediram que opinasse sobre ela. Posteriormente, em dezembro de 2022, soube, pelo Diretor de RH da companhia, Sr. João Guerra, que a contratação do Sr. Rial havia sido formalizada por meio de contrato sigiloso celebrado em maio de 2022 diretamente com o Sr. Sicupira, o Sr. Eduardo Saggioro (presidente do conselho de administração) e Claudio Garcia (também membro do conselho).

Em dezembro de 2022, o Sr. João Guerra me encaminhou esse contrato, que lhe havia sido encaminhado, segundo ele, pelo próprio Sérgio Rial, para dar-lhe ciência sobre as condições que haviam sido combinadas para sua remuneração, com pedido para que sua existência fosse mantida em sigilo. Acredito que, como todas as decisões estratégicas ao longo da história do grupo Americanas (criação da B2W, criação do Universo Americanas, meu desligamento, a fusão de LASA e B2W etc.), a decisão pela contratação do Sr. Rial foi tomada pelo Sr. Sicupira com o consentimento dos demais controladores.

Financiadora para clientes

Desconheço as razões pelas quais a escolha recaiu em alguém sem experiência no setor de varejo, com o Sr. Rial, e reitero que não tive qualquer participação no respectivo processo, mas acredito que elas possam se relacionar com a intenção, algumas vezes compartilhada pelo Sr. Sicupira, de criar uma instituição financeira para o grupo Americanas, para financiar clientes e fornecedores (cujo embrião seria a AME Digital). Vale observar, embora não tenha mais detalhes a respeito, que, no final de 2022, o grupo Americanas obteve carta-patente para explorar uma instituição financeira.

Reitero que o Sr. Sérgio Rial sabia da situação financeira da companhia, inclusive sobre a necessidade de novos aportes de capital. Tive conhecimento, inclusive, de que, no início de dezembro de 2022, o Sr. Rial realizou uma reunião com outros diretores, da qual eu não participei, para tratar justamente da situação financeira e de como contorná-la. Não tenho muitos detalhes por não ter participado da reunião, mas acredito que seja a ela que a notícia mencionada na petição do Bradesco faça referência.

Os presentes esclarecimentos não implicam renúncia, desistência ou ato incompatível com o recurso que apresentei, através de meus advogados, no processo movido pelo Bradesco contra a Americanas, ou em qualquer outro processo ou procedimentos no qual meu depoimento tenha sido ou seja solicitado. Sem prejuízo da minha disposição em colaborar com o esclarecimento de qualquer fato relacionado à Americanas (sempre no limite do meu conhecimento), reservo-me ao direito de sempre postular que isso ocorra na forma da Lei e com a preservação de todos os meus direitos.

Esperando que os presentes esclarecimentos sejam úteis a desfazer a profusão de factoides propagados contra minha pessoa, subscrevo.

Nota da Americanas

“A Americanas refuta veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na véspera da apresentação do relatório final. A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude.

“A Americanas reitera que o relatório apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito em 13/06, baseado em documentos levantados pelo Comitê de Investigação Independente, além de documentos complementares identificados pela Administração e seus assessores jurídicos, indica que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, capitaneada pelo senhor Miguel Gutierrez.

“A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.

Nota da assessoria de Sergio Rial

“Não há comentários a serem feitos por Sergio Rial à carta do senhor Miguel Gutierrez. O economista, que agiu como denunciante de boa-fé ao comunicar as inconsistências contábeis da Americanas em 11 de janeiro de 2023, aguarda as providências cabíveis para a responsabilização dos autores da fraude bilionária a partir das delações já homologadas e da continuidade das investigações em curso.”

Nota da LTS Investments

“As palavras assinadas pelo Sr. Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez, proferidas quase oito meses após a divulgação do fato relevante que informava as inconsistências contábeis na Americanas SA (11/1) e depois de divulgado relatório da CPI sobre o caso na Câmara dos Deputados, não trazem qualquer prova de suas alegações nem refutam evidências de sua participação na fraude.

“As ilações de uma pessoa que deixou o país depois de ter tido um requerimento de participação à CPI aprovado não têm coerência com os fatos até agora expostos pelas autoridades, tampouco nenhuma prova apresentada pela companhia há três meses foi questionada até o presente momento.

“Os acionistas de referência sempre atuaram com o máximo de zelo e ética sobre a companhia, observando rigorosamente as normas e a legislação aplicável. Ainda assim, todos os acionistas da Americanas foram enganados por uma fraude ardilosa cujos malfeitores serão responsabilizados pelas autoridades competentes.”

Fonte: /Metrópoles - 05/09/2023

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