foto:Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro recuou ao anunciar em rede social na manhã desta quinta-feira (30) que vai "tornar sem efeito" a admissão de Vicente Santini, nomeado um dia antes pelo Palácio do Planalto para um novo cargo na Casa Civil.
No início da semana, ele havia sido destituído pelo próprio Bolsonaro da secretaria-executiva da pasta, após fazer voo exclusivo em jatinho da FAB (Força Aérea Brasileira) para a Índia na semana passada. A primeira destituição de Santini havia sido anunciada por Bolsonaro na manhã de terça (28), ao desembarcar em Brasília da Índia. O presidente disse ter sido inadmissível o fato de ele ter usado uma aeronave oficial com apenas três passageiros (ele e duas assessoras) para voar de Davos, onde participava do Fórum Econômico Mundial, para Déli.
"Inadmissível o que aconteceu. Já está destituído da função de executivo do Onyx [Lorenzoni]. Destituído por mim. Vou conversar com Onyx para decidir quais outras medidas podem ser tomadas contra ele. É inadmissível o que aconteceu, ponto final", afirmou o presidente. Amigo da família Bolsonaro, Santini foi nomeado na noite de quarta (29) assessor especial da Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil. A decisão foi tomada após os filhos do presidente intercederem pela permanência do ex-secretário no governo federal.
"Informo que em Diário Oficial será publicado: Tornar sem efeito a admissão do servidor Santini", escreveu o presidente nesta quinta, em rede social. O presidente disse ainda que vai exonerar o interino da Casa Civil e "passar a PPI da Casa Civil para o Ministério da Economia". A nomeação de Santini para um novo cargo foi assinada por Fernando Wandscheer de Moura Alves, que o substituiu na secretaria-executiva da Casa Civil e responde interinamente pela pasta, já que o titular, Onyx Lorenzoni, está de férias.
No novo cargo, o amigo dos Bolsonaros teria uma remuneração de R$ 16.944,90 mensais, de acordo com lista de cargos e salários em sites do governo federal, valor cerca de R$ 300 menor do que o da função anterior. O ex-secretário desembarcou nesta quarta em Brasília após acompanhar a comitiva presidencial a Déli, na Índia.
A Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil foi criada em junho de 2019, quando Bolsonaro transferiu a articulação política da Casa Civil para a Secretaria de Governo. A pasta absorveu duas estruturas anteriores, as secretarias especiais para Câmara e Senado. A viagem de Santini em voo da FAB foi divulgada pelo jornal O Globo. O secretário representava Onyx. Ao dizer na terça-feira que Santini deixaria o cargo de secretário-executivo da Casa Civil, Bolsonaro não havia excluído a possibilidade de ele ocupar outras funções no governo federal.
"O cargo de executivo da Casa Civil já está perdido. Outras coisas virão depois de eu conversar com Onyx", disse. "Isso é decisão minha. Aguardo Onyx, não posso também desprestigiar o ministro, né? Vou ver os argumentos dele. Daí ver se teremos mais alguma medida suplementar disso aí", disse.
Bolsonaro disse que o uso da aeronave não é "ilegal" mas "imoral". A assessoria de imprensa da Casa Civil informou que "a solicitação [do avião] seguiu os critérios definidos na legislação vigente". "O que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral. Ministros antigos foram de aviões lá comercial, classe econômica. Eu mesmo já viajei no passado, não era presidente, para Ásia toda de comercial, classe econômica, e não entendi. A explicação que chegou no primeiro momento: 'ele teve de participar de reunião de ministros por isso...' Essa não, essa desculpa não vale."
Santini é formado em direito pela Universidade Católica de Brasília e possui mestrado e doutorado pela UniCeuB. Antes de ser o número dois da Casa Civil, foi da Subchefia de Acompanhamento e Monitoramento, onde acompanhou casos como o desastre de Brumadinho (MG), por exemplo.
Ele chegou ao governo com respaldo da família Bolsonaro por ter amizade desde a infância com os filhos do presidente. O cargo de secretário-executivo foi assumido em março de 2019, quando o antigo ocupante do posto, Abraham Weintraub, foi deslocado para o Ministério da Educação.
Santini conheceu a família Bolsonaro dos círculos de militares por ser filho de general do Exército. Desde que entrou para o governo, costumava fazer publicações com filhos do presidente, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além de trocarem mensagens em tom elogioso um ao outro.
Antes de assumir cargo público, era sócio de um escritório de advocacia em Brasília. Em seu currículo público, disponível em suas redes sociais, Santini diz ter trabalhado entre 2007 e 2012 no Ministério da Defesa com assuntos ligados a privatizações e aviação civil. Segundo revelou o jornal Folha de S.Paulo nesta quarta, Santini é alvo de uma representação do Ministério Público de Contas junto ao TCU (Tribunal de Contas da União). O subprocurador-geral do Ministério Público que atua junto ao TCU, Lucas Furtado, representou contra o agora ex-secretário-executivo da Casa Civil pelo uso da aeronave.
No documento, o procurador diz que Santini viajou com duas assessoras de Davos à Déli, "embora pudessem ter optado por voo comercial" e pede que seja instaurada uma tomada de contas especial "pelo dano causado ao erário por ato flagrantemente antieconômico". Um processo de tomada de contas pode resultar num pedido de ressarcimento aos cofres públicos.
O uso de aeronaves da FAB é regulamentado por dois decretos: 4.244, de 22 de maio de 2002, e 8.432, de 9 de abril de 2015. O presidente da República está sempre autorizado a utilizar aeronaves da FAB em qualquer que seja seu deslocamento. Além dele, podem usar aviões oficiais o vice-presidente, os presidentes do Senado, da Câmara e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ministros de Estado e demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado também são autorizados, assim como os comandantes das Forças Armadas e o Chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas estão aptos a solicitar os aviões. As condições para uso por essas autoridades, de acordo com a FAB, são por motivos de segurança, emergência médica e viagens a serviço. O órgão ainda informa que "não cabe à FAB apurar se os motivos das solicitações de apoio são efetivamente cumpridos".
O decreto de 2015, editado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), restringiu ao vice-presidente da República e os presidentes do Senado, da Câmara e do STF o direito de usarem a aeronave para deslocamento para residência fixa. A legislação não traz restrições quanto aos acompanhantes das autoridades, mas os nomes não são divulgados. Os dados sobre os voos são listados no site da FAB no dia útil seguinte à viagem. As informações públicas são local de destino e origem, cargo do solicitante, motivo da solicitação, horário de pouso e decolagem e número de passageiros, mas não há identificação dos que embarcaram.
Procurada pela reportagem, a FAB não informou os custos estimados da aeronave que levou Santini às duas viagens. Os dados do voo ainda não foram publicados. "Os custos operacionais das missões em aeronaves da FAB estão classificados no grau de sigilo reservado pois são considerados estratégicos por envolverem aviões militares", informa a FAB em seu site.
Em uma cotação feita na terça pela reportagem, um voo de Zurique, na Suíça, para Déli, com retorno para Brasília sairia em média R$ 7.000 por passageiro para uma viagem em intervalo semelhante ao feito pelo ex-secretário.
O CASO DOS VOOS EM AVIÕES DA FAB
Vicente Santini
Ex-secretário-executivo da Casa Civil
Foi destituído após revelação de que usou jato da FAB para viagem exclusiva de Davos (Suíça) a Déli (Índia), mas ganhou novo cargo como assessor especial de relacionamento externo da Casa Civil
O que diz a lei
Aviões da FAB podem ser utilizados para deslocamentos do presidente da República, do vice, dos presidentes do Senado, da Câmara e do STF, comandantes das Forças Armadas, chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas, ministros e autoridades com prerrogativas de ministro (Santini ocupava a função de ministro interino da Casa Civil, já que Onyx Lorenzoni está de férias). As condições para uso por essas autoridades, de acordo com a FAB, são por motivos de segurança, emergência médica e viagens a serviço
O que disse Bolsonaro sobre o voo de Santini
“Inadmissível o que aconteceu. Já está destituído da função de executivo do Onyx [Lorenzoni]. Destituído por mim. Vou conversar com Onyx para decidir quais outras medidas podem ser tomadas contra ele. É inadmissível o que aconteceu, ponto final.”
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