Estudo da Fiocruz indica que o novo coronavírus já circulava no Brasil antes do carnaval Foto: Hélvio Romero/Estadão
RIO - O novo coronavírus já estava circulando havia pelo menos 20 dias no Brasil quando multidões tomaram as ruas de grandes cidades para celebrar o carnaval, revela um estudo divulgado nesta segunda-feira, 11, pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O trabalho mostra que o Sars-CoV-2 começou a se espalhar no País ainda na primeira semana de fevereiro, ou seja, mais de 20 dias antes de o primeiro caso ser diagnosticado oficialmente em um viajante que retornou da Itália para São Paulo. O caso foi detectado em 26 de fevereiro, quarta-feira de Cinzas, quase 40 dias antes das primeiras confirmações oficiais de transmissão comunitária, em 13 de março.
O trabalho mostra que, quando os primeiros blocos foram para as ruas, já havia transmissão comunitária da doença, que, provavelmente, foi muito acelerada pelas aglomerações. Os primeiros casos seriam do fim de janeiro.
O estudo foi feito com uma metodologia estatística de inferência, a partir dos registros de óbitos, e publicado na revista “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” de forma prévia, ainda sem revisão de pares. O trabalho também revelou que o vírus começou a circular muito antes do registrado oficialmente na Europa e nos Estados Unidos.
Os autores destacam que, em todos os países analisados, a circulação da Covid-19 começou muito antes que fossem implementadas medidas de controle, como restrição de viagens aéreas e distanciamento social.
“Esse período bastante longo de transmissão comunitária oculta chama a atenção para o grande desafio de rastrear a disseminação do novo coronavírus e indica que as medidas de controle devem ser adotadas, pelo menos, assim que os primeiros casos importados forem detectados em uma nova região geográfica”, afirma Gonzalo Bello, pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz, coordenador da pesquisa.
Na Europa, a circulação da doença começou aproximadamente em meados de janeiro na Itália e entre fim de janeiro e início de fevereiro, na Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Reino Unido. O começo de fevereiro também foi o período de início da disseminação na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, de acordo com o estudo.
A pesquisa é a primeira a apontar o período de início da transmissão comunitária no Brasil e reforça evidências preliminares de pesquisas conduzidas na Europa a partir de análises genéticas. Corrobora ainda achados de estudos realizados nos Estados Unidos, que indicaram começo da propagação viral na cidade de Nova York entre 29 de janeiro e 26 de fevereiro.
Apesar de vários países terem o início da transmissão comunitária em momentos muito próximos, a expansão da epidemia em cada localidade parece ter seguido uma dinâmica própria.
“Muito provavelmente, a dinâmica de expansão da epidemia foi definida por fatores locais, como características ambientais de temperatura, precipitação e poluição do ar, densidade e demografia da população”, acrescenta o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Tiago Graf.
Além de ajudar a esclarecer o início de transmissão local do Sars-CoV-2 nos países estudados, os autores destacam que os resultados obtidos reforçam a importância da implementação de ações permanentes de vigilância molecular, uma vez que o novo coronavírus pode voltar a circular e causar surtos ao longo dos próximos anos.
“A intensa vigilância virológica é essencial para detectar precocemente a possível reemergência do vírus, informando os sistemas de rastreamento de contatos e fornecendo evidências para realizar as medidas de controle apropriadas”, completa Gonzalo.
Por isso, para estimar o período de início da transmissão viral comunitária do novo coronavírus, os pesquisadores desenvolveram um novo método. Os cientistas partiram de um dos traços mais trágicos e marcantes da Covid-19: o crescimento exponencial do número de mortes nas primeiras semanas de surto.
Já que a carência de testes de diagnóstico e o grande porcentual de infecções assintomáticas dificultam a contagem de casos da doença, os registros de óbito são considerados a informação mais confiável sobre o progresso da epidemia. Podem ser usados como um rastreador “atrasado”, que permite observar o curso da doença de forma retrospectiva.
Considerando que o tempo médio entre a infecção e o óbito por Covid-19 é de cerca de três semanas e a taxa de mortalidade da doença é de aproximadamente 1%, os cientistas aplicaram um método estatístico para inferir o momento de início da epidemia a partir do número acumulado de mortes nas primeiras semanas de surto em cada país.
“Observando os dois países onde já existe grande número de genomas sequenciados - China e Estados Unidos -, constatamos que a estimativa obtida a partir do número de mortes foi semelhante à obtida a partir da análise genética, validando a nova abordagem”, afirma a pesquisadora da Udelar Daiana Mir.
No Brasil, outras evidências, obtidas a partir de metodologias diferentes, apoiam a estimativa de que a transmissão local da Covid-19 começou no início de fevereiro, coincidindo com a expansão da epidemia na América do Norte e Europa. De acordo com o InfoGripe, sistema da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que monitora as hospitalizações de pacientes com sintomas respiratórios agudos graves (SRAG), o número de internações encontra-se acima do observado em 2019 desde meados de fevereiro de 2020.
Além disso, análises moleculares retrospectivas de amostras de SRAG detectaram um caso de infecção por Sars-CoV-2 no Brasil na quarta semana epidemiológica, entre 19 e 25 de janeiro. O aumento sustentado no número de infecções foi observado a partir da sexta semana epidemiológica, entre 2 e 8 de fevereiro, conforme apresentado no MonitoraCovid-19, sistema do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
"Esses dados epidemiológicos confirmam a introdução do Sars-CoV-2 no Brasil desde o fim de janeiro e claramente sustentam nossos resultados, que apontam que o vírus estava circulando na população brasileira desde o início de fevereiro", pontua Gonzalo.
fonte:Estadão - 11/05/2020
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