quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Indicado ao STF: Senadores questionam currículo de Kassio Nunes

 

Senadores questionam exageros em currículo de indicado ao STF
Foto: Paulo Carruba/ Anuário da Justiça

O juiz federal Kassio Nunes, 48, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), precisou dar explicações nesta terça-feira (6) a um grupo de senadores sobre suas credenciais acadêmicas.

 

De acordo com o site do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), tribunal ao qual pertence, Kassio tem pós-graduação, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados por universidades da Espanha, de Portugal e da Itália.

 

A apresentação do TRF-1 não é um currículo lattes, plataforma usada para registrar trabalhos e realizações acadêmicas.

 

Apesar das justificativas, senadores saíram da conversa com a impressão de que o juiz federal turbina as informações curriculares.

 

As dúvidas em torno da formação acadêmica de Kassio começaram a surgir em razão da data em que ele defendeu a tese de doutorado cursado na Universidade de Salamanca, na Espanha.

 

De acordo com os registros da instituição, a defesa do trabalho ocorreu no dia 25 do mês passado, conforme levantou a Folha de S.Paulo nos bancos de dados da instituição, poucos dias antes de ser indicado pelo chefe do Executivo à vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta na semana que vem.

 

O título da tese é "Política judiciária no fornecimento de medicamentos de alto custo no Brasil em um ambiente de crise e de políticas de austeridade fiscal: teoria, experiência e perspectivas".

 

Surgiu, então, uma dúvida sobre a compatibilidade temporal deste doutorado com os dois pós-doutorados que ele ostenta na página do TRF-1 - um em direitos humanos, pela Universidade de Salamanca, e outro em direito constitucional, pela Universidade de Messina, na Itália.

 

Kassio disse ao grupo de seis senadores que, na Europa, é possível começar a cursar pós-doutorado na condição de doutor ou de doutorando, e que este era o caso dele.

 

"Foi assim que eu fiz em Portugal. Eu paguei todas as disciplinas do doutorado ainda fazendo o mestrado", afirmou. Ele cursou mestrado na Universidade Autónoma de Lisboa, com dissertação defendida em abril de 2015, segundo a Folha de S.Paulo apurou nos registros da instituição.

 

"Fiz o pós-doutorado na Universidade de Salamanca presencial, apresentei o trabalho, fiz defesa do pós-doutorado em julho de 2018".

 

No entanto, no banco de dados da Universidade de Salamanca, onde são disponibilizados os trabalhos acadêmicos, não foram localizados registros sobre esse pós-doutorado.

 

Um segundo pós-doutorado, segundo o indicado de Bolsonaro, foi em direito constitucional na Universidade de Messina, na Itália.

 

Kassio disse aos senadores que as aulas ocorreram em Minas Gerais, com professores brasileiros e italianos, e que defendeu a tese na Universidade de Messina na Itália em setembro de 2018. A reportagem pediu informações à instituição, mas ainda não houve resposta.

 

O juiz federal afirmou aos senadores que os diplomas ainda não foram entregues porque estava em curso o doutorado, cuja tese foi defendida há cerca de duas semanas.

 

"Tão logo obtive o título de doutor, eu encaminhei para as universidades a ata e as notas que obtive em Salamanca", disse.

 

"As respectivas universidades, tanto da Itália quanto da Espanha, já encaminharam as declarações", afirmou, segundo conteúdo da reunião a que a reportagem teve acesso.

 

No currículo dele há também uma informação sobre um "Postgrado em Contratacion Pública", pela Universidade de La Corunã, na Espanha, que foi o Curso Euro-Brasileiro de Compras Públicas, organizado pela instituição em parceria com outras instituições de ensino, entre os dias 1 e 5 de setembro de 2014.

 

A assessoria de imprensa do TRF informou que não está autorizada a falar em nome de Kassio Nunes e que, por ora, não responderá às demandas da imprensa.

 

Conforme informou o gabinete do juiz federal, disse a assessoria, o currículo oficial atualizado está no portal do tribunal.

 

Mais cedo, Kassio afirmou também a outro grupo, de nove senadores, que não é amigo do presidente Jair Bolsonaro.

 

Ele disse ainda que a decisão sobre a prisão após condenação em segunda instância é de responsabilidade do Congresso.

 

O magistrado fez essas declarações a um grupo que participou de uma reunião virtual com o indicado ao Supremo. O encontro durou pouco mais de uma hora.

 

"Eu conheço o presidente há quase 12 anos, conheci o presidente ainda como deputado, nunca fui amigo do presidente, nunca tive uma aproximação maior", disse o magistrado, de acordo com a gravação da reunião a que a reportagem teve acesso.

 

Segundo Kassio, sua aproximação com o presidente da República se deu quando ele começou a buscar disputar a vaga que será aberta no STJ (Superior Tribunal de Justiça), o que ainda não tem data para ocorrer.

 

"O que me levou a tentar uma aproximação, como eu tentei com outros? Eu era candidato a uma vaga que ainda virá, do ministro Napoleão Nunes Maia no Superior Tribunal de Justiça. Por essa razão eu busquei aproximação com o presidente, estreitando esse contato, levando um pouco da postura que eu tinha pessoalmente, da minha postura como juiz para o presidente", disse Kassio.

 

"O resultado é que isso provavelmente tenha agradado o presidente, ou ele tenha entendido que pelo momento que passa o Brasil deveria ter alguém com essas características", afirmou.

 

Com a indicação anunciada por Bolsonaro, Kassio passará por uma sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, que será no próximo dia 21.

 

Se aprovado, seu nome segue para apreciação do plenário, o que deve ocorrer no mesmo dia. Se for aprovado por maioria absoluta, é então nomeado pelo presidente da República.

 

No dia 25, Celso de Mello anunciou que irá antecipar em três semanas sua aposentadoria do STF. Inicialmente, a saída do decano estava prevista para 1º de novembro, quando ele completa 75 anos e se aposentaria compulsoriamente. Mas ele informou que sairá no dia 13 de outubro.

 

Kassio integra o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e ganhou o apoio de Bolsonaro com a chancela de caciques de partidos do centrão, representando um aceno à ala garantista do STF e ainda um gesto ao Nordeste, região onde o presidente sofreu derrota eleitoral em 2018.

 

Segundo Kassio, sua indicação "foi exclusiva do presidente Bolsonaro".

 

Nesta semana, ele fará novas visitas a senadores, com os quais pretende conversar a fim de garantir votos em prol de sua aprovação à vaga. Ao ser questionado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) sobre segunda instância, o magistrado afirmou que essa posição cabe ao Congresso.

 

"Essa matéria está agora na competência do Congresso Nacional. Eu sou, tenho natureza de juiz daqueles que respeitam a decisão do Parlamento. O que o Parlamento decidir será respeitado."

 

Essa foi a primeira reunião do magistrado com senadores, mas nesta terça-feira ele ainda terá outras. Além de sua relação com o presidente e posição sobre segunda instância, Kassio Nunes foi questionado pelos senadores sobre sua posição à respeito da Lava Jato.

 

"Eu ficaria inclusive perplexo que fosse indicado qualquer cidadão brasileiro, advogado ou magistrado, que fosse contra o combate à corrupção. Todos nós, Congresso Nacional, magistrados brasileiros, Ministério Público estamos numa corrente para transformar o Brasil".

 

Kassio também respondeu aos senadores que possui porte de armas, conhecido como CAC (Colecionador, atirador e caçador). Ele afirmou que não anda armado, mas que possui armas devido à violência de Brasília. Segundo ele, as únicas vezes em que saiu armado foram em viagem ao interior do Piauí.

 

"Tenho uma CAC, sim. Tenho uma 380 e fiz uma aquisição no ano passado de uma 9 mm. Eu não ando armado, eu moro em casa, sempre morei em casa e a violência em Brasília começou a chegar no Lago sul. Eu fico preocupado porque às vezes acordamos aqui com helicóptero com atirador de elite", disse.


fonte:FOLHAPRESS- 07/10/2020

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