Visitar o Museu Afro, parar - e não só passar - na Estátua de Zumbi dos Palmares, matar a fome no restaurante Alaíde do Feijão e conhecer a Casa do Benin. Essa é apenas uma entre as diversas opções de passeios turísticos em Salvador que são promovidos pelo projeto Guia Negro e têm uma característica em comum: o protagonismo preto no roteiro.
Uma proposta diferente que, desde 2020, fez mais de mil pessoas desbravarem a capital baiana e seus pontos turísticos a partir de uma perspectiva descolonizada, dando destaque a personagens muitas vezes apagados pela história. Além de colocar no mapa turístico pontos pouco explorados como os bairros do Curuzu, Pirajá, Nordeste de Amaralina e a região do Subúrbio Ferroviário.
Ao todo, são 13 lugares na rota do Guia Negro que, para Guilherme Dias, fundador do projeto, precisavam ser mostrados de um outro olhar. "A gente percebia que as histórias eram contadas do ponto de vista do colonizador. Criamos o nosso para fazer de um olhar não colonial, tivemos uma grande aderência e percebemos que, mesmo quem é daqui, passou a conhecer histórias novas e ver os pontos já conhecidos de outra forma", conta ele.
Salvador Negra
Quem é prova dessa experiência é a soteropolitana Yeda Souza, 35 anos, que, depois dos passeios que fez pelo Subúrbio e pelo Pelourinho com o Guia Negro, mudou o seu olhar para estes espaços e também a forma como interage com eles."Conhecer a história negra daqui, além do quea gente aprende na escola, com protagonismo e histórias positivas me conectou muito mais com a cidade. E modificou meu hábito de consumo também. Agora, sempre que faço um passeio,oriento meu consumo para empreendedores negros", conta ela, que é funcionária pública federal.As pessoas que estão fora daqui também compartilham um depoimento semelhante em relação a essa experiência. Carlos Silva, 32, é nascido e criado em Valéria, na capital baiana, masmora em São Paulo há cinco anos. Só depois de deixar a cidade natal ele começou a ver acidade de outra forma.Depois de conhecer o Guia Negro em terras paulistas, ele viveu essaexperiência também em Salvador. “Me fez ampliar os horizontes, explorar novos espaços emesmo espaços antigos com novos olhares. Fui no Pelourinho, revisitei a Lagoa do Abaeté, obairro da Liberdade. [...] Falando da minha relação com Salvador, existe um antes e depois doGuia Negro. Era bélica, mas hoje passou a ser de orgulho, pertencimento”, explica ele, que éanalista jurídico do Ministério Público.Dentro dos passeios promovidos pelo projeto, os lugares poronde passam têm suas histórias contadas com destaque devido a pessoas como Alaíde doFeijão, Luiz Gama e Zumbi. Porém, além de dar visibilidade aos pretos do passado, as atividadescolocam em relevância o trabalho de pessoas negras do presente, como explica HeitorSalatiel, um dos guias do projeto."Nosso propósito é resgatar as histórias dos séculospassados, a construção real de como tudo aconteceu. Mas a gente também ressaltainiciativas que estão acontecendo agora. É utilizar a reflexão das histórias de dor dopassado e trazer a visão de projetos de potencial contemporâneos", afirma Heitor.
Diversidade no turismoO Guia Negro é um projeto que começou em São Paulo, ainda em 2018.Depois de ter impacto fazendo city tours pela capital paulista e destacando personagenspretos importantes na constituição da cidade, Guilherme percebeu que dava para levaro afroturismo para outros locais.“Percebemos que não tínhamos passeios turísticos contando ahistória negra que é muito apagada e invisibilizada. As pessoas gostaram da experiência, queriammais e, por isso, fomos ampliando isso para outros lugares além de São Paulo”, afirma ofundador.Hoje, o Guia Negro está presente em seis cidades: Rio de Janeiro, Olinda, São Luís,Boipeba, São Paulo e Salvador. Para o presidente da Federação Baiana de Turismo eHospitalidade do Estado da Bahia (FeTur), Sílvio Pessoa, ter esse tipo de iniciativa aqui é umaótima notícia.“Tudo que é inovador, que traz um novo ponto devista e que vivencia a forma e onde frequentamos, sempre ébem-vindo. Salvador tem muitos nichos inexplorados”, diz opresidente.Procurada para comentar e avaliar o impacto que o Guia Negro e outrasatividades sobre diversidade no turismo têm para o setor, a Secretaria de Turismo do Estadoda Bahia (Setur) não respondeu até o fechamento desta reportagem. Veja quais são os 13pontos explorados no Guia Negro:1. Elevador Lacerda (parte alta)2. Memorial das Baianas deAcarajé/Katuka Africanidades3. Estátua Zumbi dos Palmares4. Praça Terreiro de Jesus/MuseuAfro/Cravinho/Cantina da Lua5. SPD/Roma Negra6. Restaurante Alaíde do Feijão/CEN7. Botica Rhol/Praça Rosa de Osalá8. Casa Olodum/Negra Jhô/Regina Bella Oyá9.Atelier Cabuloso10. Largo do Pelourinho/Igreja Rosário dos Pretos11. Casa do Benin12.Centro Cultural do Reggae13. Acervo Zumvi/Malembe
Fonte:Correio da Bahia *Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo - 03/03/2022 -
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