sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Da Revista Fórum: Anderson Torres não leu relatório sobre atos antidemocráticos e seguiu para os EUA, diz PF

 

                                    foto:reprodução/Isac Nóbrega/PR

O relatório final da Polícia Federal sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro lança luz sobre graves falhas operacionais e omissões por parte da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF). Entre os destaques estão a insuficiência de medidas preventivas, a fragmentação da comunicação entre os órgãos de segurança e a subutilização de informações estratégicas que poderiam ter evitado a escalada da violência.

O documento, centrado na investigação das responsabilidades da SSP/DF, expõe como a inação e a falta de integração comprometeram a capacidade do Estado de proteger as instituições democráticas.

Segundo o relatório, obtido com exclusividade pela coluna, "o ponto central das falhas da gestão da segurança pública durante os eventos de 05/01/2023 é a existência do Relatório de Inteligência nº 06/2023, elaborado pela Subsecretaria de Inteligência da SSP/DF".

"Tal documento, que foi entregue a Anderson Gustavo Torres em 06 de janeiro informava quanto ao risco de manifestações violentas e a possibilidade de invasões a prédios públicos. Referido documento, aparentemente, não foi considerado por Anderson Torres, que apesar das advertências, prosseguiu sua viagem ao exterior sem tomar as providências necessárias. Adicionalmente, a subsecretaria de Inteligência não difundiu de forma eficaz o conteúdo do relatório para os demais órgãos de segurança", diz trecho do relatório.TE PODRÍA INTERESA

Mais adiante, a PF afirma que, em depoimento à CPI da Câmara Legislativa do DF, Torres afirmou não ter sequer lido o documento antes de viajar aos EUA, onde teria se encontrado com Bolsonaro. Aos investigadores, no entanto, ele negou que tenha se encontrado com o ex-chefe.

"Ao ser confrontado pela CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ANDERSON TORRES admitiu que o Relatório nº 06/2023 havia sido entregue a ele por sua Subsecretária, tendo reconhecido que recebeu o documento antes de sua viagem, mas afirmou que não o leu antes de partir", diz o texto.

Inteligência ignorada e coordenação falha

A PF enfatiza que a Subsecretaria de Inteligência (SI) da SSP/DF produziu o Relatório de Inteligência em 6 de janeiro com informações detalhadas sobre os riscos associados às manifestações. Entre os alertas estavam a convocação para a “Tomada de Poder pelo Povo”, a chegada de grupos organizados, incluindo Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), e a possibilidade de atos violentos, com participantes armados e portando instrumentos perigosos, como pés-de-cabra e rojões.

No entanto, o relatório foi compartilhado apenas internamente, sem alcançar órgãos-chave, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Segundo o documento, “não houve articulação efetiva com outros órgãos de inteligência integrantes do SISBIN”, o que violou os princípios da oportunidade e necessidade?.

A ausência de convites formais ao GSI para a reunião que discutiu o Protocolo de Ações Integradas (PAI) nº 02/2023, realizado em 6 de janeiro, foi particularmente crítica. Como destacou o relatório: “Não há nos autos comprovação formal de que o GSI foi convidado para a reunião ou que tenha recebido o PAI”.

Mobilização insuficiente e respostas atrasadas

A falta de informações e a retenção de relatórios importantes de inteligência culminou no despreparo do efetivo de segurança mobilizado para conter as manifestações. O relatório aponta que o número de policiais militares alocados na Esplanada dos Ministérios era insuficiente, e a ausência de tropas especializadas, como o BOPE e o Batalhão de Cães, prejudicou a resposta.

“Houve um intervalo de aproximadamente duas horas entre o início da manifestação e a tomada de providências operacionais de reforço”, afirma o documento, destacando a demora no acionamento de contingentes adicionais, como os policiais que estavam de prontidão.

Outro ponto crítico foi a instalação de barreiras físicas inadequadas, com gradis frágeis e espaçamento superior ao padrão. Isso permitiu que os manifestantes, munidos de objetos perigosos, rompessem as linhas de contenção e avançassem em direção aos prédios dos Três Poderes.

Omissões deliberadas e contexto político

O relatório também aponta possíveis omissões deliberadas que contribuíram para o agravamento da situação. Segundo o texto, o acampamento na Praça dos Cristais, em frente ao Quartel-General do Exército, foi identificado como ponto estratégico para a concentração de manifestantes. No entanto, ações de desmobilização planejadas ainda em 2022 foram interrompidas “por orientação do Exército Brasileiro”, o que deixou a área disponível para coordenação dos atos de vandalismo.

Além disso, a criação da Célula Integrada de Inteligência (CIISP), no dia 7 de janeiro, foi considerada tardia e limitada em sua capacidade de responder aos eventos iminentes. A Polícia Federal destaca que, embora os alertas de inteligência tenham identificado o deslocamento de grupos violentos, as medidas preventivas foram ineficazes.

Considerações do relatório

Nas páginas finais, a Polícia Federal conclui que a SSP/DF falhou em sua missão de coordenar as ações de segurança pública e prevenir os atos de 8 de janeiro. A ausência de articulação eficaz, a subutilização de informações críticas e a mobilização insuficiente de recursos contribuíram diretamente para a vulnerabilidade das instituições democráticas.

O documento recomenda:

  • Revisão dos protocolos de inteligência e operação, com ênfase na integração entre os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).
  • Fortalecimento estrutural e estratégico da segurança pública no Distrito Federal?.
  • Responsabilização dos agentes públicos envolvidos, incluindo lideranças da SSP/DF pela condução inadequada das ações de segurança relacionadas aos atos de 8 de janeiro.

As figuras principais apontadas incluem:

  1. Anderson Torres - À época, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Foi destacado como o responsável pela coordenação geral das ações de segurança pública. O relatório indica que ele não teria garantido uma articulação eficiente entre os órgãos envolvidos e que o Protocolo de Ações Integradas (PAI) nº 02/2023 não foi implementado de forma adequada, contribuindo para a falha na resposta aos eventos.
  2. Fernando de Sousa Oliveira - Secretário Executivo que assumiu as funções de liderança na ausência de Anderson Torres. Ele também é apontado por ter conhecimento das informações críticas sobre as manifestações, mas não ter implementado medidas preventivas eficazes. Sua coordenação das ações foi descrita como insuficiente diante do risco iminente?.
  3. Cíntia Queiroz de Castro - Subsecretária de Operações Integradas da SSP/DF. Responsável pela coordenação das ações no âmbito operacional, é mencionada no relatório por falhas no planejamento e execução do PAI, incluindo problemas no uso do efetivo policial e na organização das barreiras físicas que não impediram os avanços dos manifestantes?.
  4. Marília Ferreira Alencar - Subsecretária de Inteligência da SSP/DF. O relatório aponta que informações de inteligência cruciais não foram compartilhadas de maneira eficaz, e que a produção do Relatório de Inteligência nº 06/2023 foi limitada e mal difundida. Essa deficiência comprometeu a preparação e integração dos esforços de segurança.
Fonte:Revista Fórum - 27/12/2024

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