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Alunos de escola pública, estudantes mais pobres e negros enfrentam condições desfavoráveis de acesso à internet. Análise no perfil de participantes do Enem de 2018, os mais atuais disponíveis, revela que 3 em cada 10 participantes que concluíam o ensino médio na rede pública naquele ano não tinham acesso à internet.
Na escola privada, 3,7% disseram não ter internet em casa.
Os estudantes do 3º ano do ensino médio, chamados de concluintes, compõem o público cuja preparação para o Enem foi mais afetada pelo fechamento de escolas por causa do coronavírus, em março.
Entre pobres e ricos, o abismo é ainda maior. Ao dividir os concluintes no Enem em quatro faixas de renda, 51% do quartil mais pobre não tem internet. Na outra ponta, o acesso atinge 96%.
Somente 1/4 dos concluintes mais pobres têm computador, e, entre os mais ricos, o índice é mais de três vezes maior.
O acesso a celular é disseminado e atinge mais de 90% dos estudantes em todos os recortes. Mas os desafios se impõem mesmo para aqueles precariamente conectados.
Quando as aulas a distância da rede começaram, Iris de Almeida Perruti Cruz, 17, sentiu que teria dificuldades sem ter computador. No início, ela diz, estudava pelo celular ou por um tablet.
Em sua casa, em Guarulhos, a conexão wi-fi foi instalada neste ano. Apesar de dispor do mínimo, ela considera o processo falho. "Tenho uma irmã pequena, às vezes ela chora, pede atenção. Não é fácil estudar assim", afirma ela.
"Tem gente que não tem o básico na escola, como vão ter acesso à internet e estudar?", diz a aspirante ao curso de tecnólogo em produção cultural.
Na casa de Gabriela da Silva Tavares, 17, aluna da ETEC (Escola Técnica) na Vila Leopoldina, em São Paulo, o pacote de dados é dividido entre ela, a irmã e os pais.
"Já aconteceu de não conseguir entregar trabalhos da escola e perder as aulas", diz. "Ou a internet acaba ou fica lenta".
Todas as redes estaduais do país, que concentram mais de 80% dos alunos de ensino médio, interromperam aulas. A principal aposta das secretarias foi em atividades online para manter o ensino, embora haja iniciativas pela TV.
A legislação brasileira veta o ensino a distância na educação básica, com exceção de uma carga limitada a 20% no ensino médio (percentual pode chegar a 30% na Educação de Jovens e Adultos). Essa é a tendência mundial nos melhores sistemas educacionais.
O princípio de que a escola seja responsável por uma formação além do conhecimento cognitivo, sobretudo para crianças e adolescentes, tem levado a refutar a adoção sistemática do EAD, mesmo que a tecnologia esteja cada vez mais presente nas escolas.
Com um sistema educacional menos regulado, os Estados Unidos registram um fenômeno crescente da modalidade. Em 2016, já havia cerca de 280 mil alunos da educação básica recebendo ensino totalmente virtual por lá.
Nas escolas onde há testes cognitivos, porém, os resultados são piores do que os obtidos nas escolas presenciais, segundo descrito em análise de 2018 do Iede (Interdisciplinariedade e Evidências no Debate Educacional), que se cita relatório do National Education Policy Center da Universidade do Colorado em Boulder.
No Brasil, há apostas em estados como o Amazonas de uma modalidade chamada educação mediada por tecnologia, sobretudo para áreas de difícil acesso físico.
A diferença nessa iniciativa é que aulas são transmitidas ao vivo, e os alunos distantes, mas juntos em uma escola, têm oportunidade de fazer perguntas, interagir com colegas e ter auxílio de um tutor --algo impossível na pandemia.
De acordo com a última Pnad, 79% dos estudantes de 5 a 17 anos da rede pública tinham acesso à internet. Entre os alunos da rede privada, são 97%, segundo tabulação da Consultoria Idados.
Há ainda diferenças de acesso por região. Enquanto 26% dos estudantes do norte não usaram a internet no 90 dias anteriores à pesquisa, o percentual é de 10% no sul, indica a pesquisa TIC Educação 2018.
As desigualdades também aparecem no recorte por raça. Enquanto 35% dos concluintes negros não tinham acesso à internet, esse percentual era de 14% para os brancos. Entre os indígenas, a exclusão atinge 44%, segundo os dados.
Medida provisória do governo, de abril, dispensou o cumprimento de 200 dias aulas e permitiu computar atividades como carga horária mínima. Mas o MEC não acompanha as ações nos estados.
Tais abismos levaram os estados a pedirem para adiar o Enem deste ano. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, insistia na manutenção das datas e só adiou a prova em 60 dias, sem dia definido, ante iminente derrota no Congresso sobre o tema.
O exame é a principal porta para o ensino superior público e um critério para bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e do Fies (Financiamento Estudantil).
Em 2018, 421.828 concluintes de escola pública não tinham acesso à internet, 34% do total desse grupo. Da escola privada, os 3,7% de estudantes não conectados representavam 7.909 inscritos.
Em transmissão online na semana passada, Weintraub disse que entre 80% e 90% dos participantes do Enem estavam conectados. Questionado sobre a afirmação, o MEC não respondeu qual a fonte usada.
Fred Amancio, secretário de Educação de Pernambuco e presidente em exercício do Consed (que representa os dirigentes estaduais de Educação), diz que a transmissão de aulas pela TV tem ajudado em muitos estados, e há escolas organizando de modo autônomo a manutenção de aulas.
Mas o acesso à internet, diz ele, dá maiores possibilidades de oferta de conteúdos e acompanhamento. "O adiamento do Enem é um alívio pela importância de fazermos o máximo para ampliar as aulas presenciais [após redução do isolamento]", afirma.
"O exame [deste ano] vai beneficiar quem já é mais beneficiado", diz Daniel Cara, professor da USP e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Segundo ele, mesmo com as cotas haverá prejuízo para quem mais precisa.
Em nota, o MEC afirma que mantém diálogo com secretários de Educação e com as "comunidades escolar e acadêmica com o intuito de estabelecer medidas conjuntas para apoiar as redes na manutenção de aulas durante a pandemia".
fonte:Folhapress - 29/05/2020 21h:47min.
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